Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Maria Helena Machado: Os Profissionais de saúde em tempos de COVID19 – a realidade brasileira

Edição nº 1722 - 10 de abril de 2020

 A pesquisadora da ENSP-FIOCRUZ, Maria Helena Machado, faz neste artigo a apologia do SUS (Sistema Único de Saúde) que até há pouco tempo vinha sendo combatido e ameaçado de privatização e agora se mostrando como o grande instrumento de assistência à saúde da maioria da população brasileira. A autora mostra a realidade concreta seja da infra-estrutura hospitalar, do corpo médico, de enfermagem e dos centros de pesquisa. Os números são impressionantes, apesar de poderem ser ainda maiores para atender adequadamente toda a população. Veja. (Lboff)

 

“O Brasil tem dois patrimônios no âmbito do SUS e os mais de 3 milhões e meio de Profissionais de Saúde que nele atuam.

Fruto de um processo histórico de três décadas, o SUS assegura pela Constituição Federal saúde à toda a população brasileira. À época de sua criação na década de 1980, o país contava com pouco mais de 18 mil estabelecimentos de saúde, 570 mil empregos de saúde e uma equipe bipolarizada entre médicos e atendentes de enfermagem (nível elementar de escolaridade). Trinta anos depois, o SUS é hoje o maior patrimônio público do país com mais de 200 mil estabelecimentos de saúde – hospitalares e ambulatoriais, 3 milhões e 500 mil trabalhadores empregados, sendo boa parte de nível superior. A equipe de saúde passa a ser multiprofissional constituída de médicos, enfermeiros, farmacêuticos, odontólogos, nutricionistas, fisioterapeutas, psicólogos, além de técnicos e auxiliares de saúde (enfermagem e demais áreas) (CNES, 2017).

É fato incontestável que o SUS, operado na rede pública (federal, estadual e municipal) e na rede privada/filantrópica conveniada, é sustentado e movido por um enorme contingente de trabalhadores. É fato também que esses trabalhadores são considerados essenciais ao sistema de saúde e imprescindíveis ao processo civilizatório de nosso país.

Ser profissional da saúde significa antes de tudo ser um profissional com vocação e missão especiais. A crise sanitária que impõe o Coronavirus nos insita a reafirmar essa premissa: Profissional de Saúde é um Bem Público: um Patrimônio de 3.500.000 de pessoas qualificadas e a serviço desse bem universal chamado Saúde.

É fato também que a sociedade moderna é alicerçada em uma sociedade de profissões, visto que a maioria das atividades humanas evoca profissionalismo para sua execução. O que seja saúde, doença, sanidade ou insanidade ou até mesmo o que é ordem ou desordem, são definidos no construto teórico das corporações profissionais. A saúde é um caso exemplar desse profissionalismo levado a sério.

(...) 

Sendo então, por sua essencialidade e por serem doutos de sua habilidade cognitiva, detentores de saberes especializados e altamente treinados em escolas credenciadas, eles são inseridos no mercado de trabalho em postos de trabalho seja no setor público como no privado. Um mercado de trabalho complexo e altamente profissionalizado. Dados oficiais do IBGE, CNES, etc., atestam essa essencialidade quando registra, por exemplo, a presença de médicos e enfermeiros, mesmo com sinais de má distribuição regional ou até mesmo escassez nos 5.570 municípios, nas 27 unidades da Federação e nas 5 regiões geográficas do país, prestando assistência à população.

O enfrentamento da crise sanitária com o novo Coronavirus, em nosso país, tem sido possível por conta exatamente do SUS e de seus trabalhadores. Estamos falando de profissionais atuando na assistência direta à população nos hospitais e ambulatórios, na ciência e tecnologia produzindo e disponibilizando saberes, conhecimentos, tecnologia e insumos, na gestão pública, enfim, prestando serviços de alto valor social.

Contudo, sabemos das mazelas que o SUS vem enfrentando com crescimento da terceirização e da informalidade da inserção desses profissionais essenciais. As premissas preconizadas pela Organização Internacional do Trabalho no combate ao trabalho precário sendo aquele com contrato de trabalho desprotegido de amparo legal nunca foi tão atual e contemporâneo nesse mundo globalizado. A OIT elenca algumas dimensões inter-relacionadas de precariedade, contrapondo ao trabalho decente:

1) insegurança do mercado de trabalho pela ausência de oportunidades de trabalho;

2) insegurança do trabalho gerada pela proteção inadequada em caso de demissão;

3) insegurança de emprego gerada pela ausência de delimitações da atividade ou até mesma de qualificação de trabalho;

4) insegurança de integridade física e de saúde em razão das más condições das instalações e do ambiente de trabalho;

5) insegurança de renda, fruto da baixa remuneração e ausência de expectativa de melhorias salariais;

6) insegurança de representação quando o trabalhador não se sente protegido e representado por um sindicato.

Infelizmente, a realidade brasileira nos aproxima mais do trabalho precário, nos distanciando, inexoravelmente, do trabalho decente, preconizado pela OIT. Pesquisas recentes com categorias essenciais da saúde (médicos e enfermeiros, por exemplo) nos mostra que esses profissionais têm aumentado sua carga de trabalho diária, trabalhando interruptamente, com salários baixos e se comparados a realidades internacionais isso levaria a constrangimentos do “incomparável”. A adoção do multiemprego e o prolongamento da jornada de trabalho semanal, abdicando do descanso entre um trabalho e outro passa a ser realidade dada em todo o país, seja no setor público como no privado. O desgaste profissional, o estresse, o adoecimento, os acidentes de trabalho acabam assumindo dimensões insustentáveis.

Se estamos falando de um Bem Público é preciso voltar nossas atenções e refletir juntos a essencialidade do trabalho deles, representados aqui pelos Médicos e pela Enfermagem e todos os demais profissionais da saúde que compõem esse contingente de mais de 3 milhões e meio de trabalhadores, expressando nossa gratidão, nosso reconhecimento, nossa confiança e esperança que vencermos essa batalha sanitária.

Salve nosso SUS!

Salve nossos Trabalhadores da Saúde! Salve nossos Patrimônios nacionais!!