Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Turismo histórico... sem patrimônio histórico!

Alessandro Abdala

"As modas fizeram maior mal que as revoluções. Elas talharam em vivo, atacaram a armação óssea da arte, cortaram, desorganizaram, mataram o edifício, tanto na forma como no símbolo, na lógica como na beleza.

E depois tornaram a construir, pretensão que não haviam tido, pelo menos, nem o tempo, nem as revoluções."  Victor Hugo

Está de volta a mentalidade modernosa que visa  parecer progressista a qualquer custo. Repete-se a sanha destrutiva de anos atrás, quando a estreiteza de visão e falta de esclarecimento permitiam que atitudes equivocadas e autoritárias fossem levadas a cabo por um desejo incompreensível de apresentar uma duvidosa sofisticação, mesmo que para isso fosse necessário subjugar nosso patrimônio histórico e cultural. Acreditávamos que atitudes como essa pertencessem a um passado vergonhoso, mas superado. Constatamos agora, com um sentimento de desilusão e revolta que mesmo com o passar dos anos certa camada da sociedade se mostra impregnada dos mesmos preconceitos e equívocos de décadas atrás.

O poder público, ao contrário de preservar nossos atrativos turísticos, faz de tudo para eliminá-los em nome de um duvidoso modernismo. O interessante é que a prefeitura propaga na mídia um pretenso investimento em turismo.

"A história de Sacramento é um verdadeiro testemunho do período de colonização e formação do Brasil (...) trata-se de um registro histórico a ser preservado, fazendo parte da memória de um povo e da memória de um pais"
 

Podemos ler estas frases em um panfleto publicitário recentemente divulgado pela Prefeitura. É um discurso que não coaduna com as práticas da atual administração municipal. Também não foram poucas as vezes que ouvimos publicidade em uma rádio local conclamando os ouvintes a virem conhecer Sacramento e desfrutar de seus atrativos naturais, históricos e culturais. Infelizmente quer se servir de história e cultura quem não se propõe a atingir o mínimo de conhecimento histórico, já que o reclame sonoro, assim como o folder publicitário, nos conta que a cidade abriga o primeiro "centro" espírita do país -  desnecessário apontar aqui a diferença entre "centro espírita" e o glorioso colégio fundado por Eurípedes Barsanulfo. Não bastasse isso, ficamos sabendo através da mesma propaganda no rádio que esta é a terra natal de "Maria Carolina de Jesus"- pretendem promover-se em cima de uma figura de quem não sabem sequer o nome correto. Também pudera, como poderiam conhecê-lo, se uma das primeiras atitudes ao assumir o governo, foi apagá-lo  da  fachada da escola que leva o nome da escritora para no lugar estampar, reluzente e amarela, a logomarca de um dos programas da prefeitura.

Num contexto como esse não é de admirar que esta administração se esforce por sufocar sob o asfalto o calçamento que resiste há mais de seis décadas e certamente poderia durar outras seis. Além de não ter história, o asfalto aumenta a temperatura ambiente, diminuindo a qualidade de vida dos habitantes da cidade. Por ser impermeabilizante é nocivo ao meio ambiente, prejudicando e ressecando o solo, carreando maior volume de água para o curso dos rios e promovendo assoreamentos, além de aumentar  consideravelmente as possibilidades de enchentes, pois a cidade não conta com sistemas de galerias proporcional ao nível de escoamento de água que esse tipo de pavimentação  produz. Com o asfalto também cresce o número de acidentes no trânsito, já que ele induz ao abuso de velocidade dos veículos. A prova disso são os crescentes índices de mortes por excesso de velocidade que a cidade tem presenciado.

A pavimentação asfáltica agrada a quem não anda a pé, cujas preocupações se resumem a trocar ou não a suspensão de seus carros do ano. Este tipo de pavimentação é ideal para os bairros novos, que são pensados com estrutura adequada para recebê-la, não para o centro da cidade de ruas centenárias, compostas de pedras que são símbolos de cultura, que trazem no seu bojo a arte expressa de trabalhadores anônimos, artesãos que executaram verdadeiras obras de arte.

Em nome da memória e da cultura de nosso povo essa arte merece ser preservada.

(*)Alessandro Abdala é acadêmico em História, pela Universidade Estadual Paulista - UNESP