Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Imprensa & Responsabilidade.

por Carlos Alberto Cerchi

Os primeiros dias de janeiro são utilizados pelos meios de comunicação para fazer uma retrospectiva do ano findo. Previsões direcionadas insultam a inteligência dos cidadãos interessados na informação a que tem direito. O balanço do ano passado, muitas vezes, é feito sob a ótica do interesse individual ou de grupos existentes na imprensa, com forte influência na política brasileira, embora, utilizando concessão do Governo Federal como os canais de televisão.

O sociólogo Karl Mannheim, um pensador representativo de sua época, escreveu em 1950, no livro "Liberdade, Poder e Planejamento Democrático" que não devemos restringir o nosso conceito de poder ao poder político. Para Mannheim o poder de persuasão dos meios de comunicação é considerável. "Deve-se temer menos os governos, que podemos controlar e substituir, e muito mais os poderes privados que exercem sua influencia no 'interior' das sociedades capitalistas", assevera o pensador se referindo a radiodifusão (em 1950, a televisão estava chegando ao Brasil).

O filosofo Paulo Virilio chegou a uma conclusão drástica: "a mídia contemporânea é o único poder que tem a prerrogativa de editar suas próprias leis, ao mesmo tempo que sustenta a pretensão de não se submeter a nenhuma outra". E para o jornalista Mino Carta, a mídia verde-amarela serve ao poder desde sempre, porque é rosto do próprio.
A constante, enfadonha defesa da liberdade de imprensa é tão hipócrita quanto a não menos tediosa profissão de fé na isenção e no pluralismo pontualmente pronunciada em candentes editoriais. Esta postura leva-nos a uma indagação: como pode um profissional honrado assumir certas posições do patrão que se valem da omissão e, até, da mentira? Eis aí verdadeira traição à prática do jornalismo.

Outro aspecto relevante está no fato de a grande mídia ignorar o senso crítico do cidadão, comportamento que resvala à boçalidade, tal a parcialidade tendenciosa das notícias, nos comentários inoportunos de pretensos formadores de opinião. (...)
A avaliação que fazemos não é inovadora e serve também para nós que escrevemos na pequena imprensa. Mídia e democracia são temas que suscitam teses extensas. Por isso preferimos a reflexão como instrumento de interagir com o leitor. A leitura crítica e reflexiva contrapõe a dominação, - como diz o mineiro, perguntar não ofende.

Nesse aspecto saímos do jejum da contestação inerente ao papel exercido pela imprensa (grande ou pequena, nacional ou do interior) com respeito ao leitor. Uma revista cultural deve cumprir a sua missão política. Abominável é o comportamento de se colocar sob uma redoma, ignorando o maior objetivo da imprensa, o de contribuir para promover o crescimento cultural e político do leitor, sob pena de se transformar num expediente de comunicação que trata apenas do sexo dos anjos.
Cabe às pessoas questionarem colocando o senso crítico para funcionar. No livro "Pedagogia do Oprimido", em especial, mas em todos os outros que escreve, Paulo Freire recupera a posição de homens e mulheres como sujeitos da história. Mostra que as transformações históricas não se dão exclusivamente na dimensão das objetividades (economia, política, ideologia, etc.), mas na dialética entre o mundo subjetivo e o objetivo, ou seja, "na relação que os sujeitos, mulheres e homens, estabelecem entre si e com as estruturas", inclusive as mais próximas como a do lugar em que vivemos. A realidade existente em minha cidade contempla meus anseios individuais? e coletivos? a partir da realidade podemos estabelecer o modo de agir.

C.A. Cerchi é escritor e membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro