Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Entrevista: Ana Lúcia Scalon - Aos pés do Santuário de Aparecida

Edição nº 1590 - 29 de Setembro de 2017

O Caminho da Fé, rota de peregrinos que sai de várias cidades do interior paulista com ponto de chegada ao Santuário de Na. Sra. Aparecida, foi vencido por um grupo de oito ciclistas sacramentanos e mais cinco amigos que se juntaram para a peregrinação de fé, aventura e superação, como definiu a arquiteta Ana Lúcia Scalon, uma das organizadoras. O grupo pedalou mais de 400 Km em sete dias. Saíram no dia 3 de Tambaú (SP) e chegaram a Aparecida no dia 9, com um único acidente. A atleta Hérica caiu da bike, logo no início da romaria e fraturou o pé. Veja um pouco da história na entrevista abaixo,  concedida ao jornalista Walmor j.s. 

 

ET - Para abrir a entrevista, gostaríamos de saber como nasceu a ideia de fazer essa romaria conhecida como Caminho da Fé; como é esse caminho e se a romaria recebeu algum título especial 

Ana Lúcia - A ideia partiu do grupo, com o nome especial que demos à peregrinação, ‘Caminho da Fé 2017 – De Basílica a Basílica’, porque saímos da Basílica do Santíssimo Sacramento e chegamos à Basílica Nacional de Aparecida. O Caminho da Fé segue os moldes do Caminho de Santiago de Compostela, todo o percusro é sinalizado com setas amarelas que indicam o caminho a seguir, existem algumas pegadinhas que um bom guia te explica e te livra de subidas desnecessárias. Ele é composto por vários ramais, sendo sua origem em águas da Prata. Mas nós saímos de Tambaú, a Terra do Padre Donizete. Nessa cidade, o peregrino adquire a credencial por R$ 20,00 e assina um termo de responsabilidade. Essa credencial deve ser carimbada em locais estipulados pelos criadores do trajeto, comprovando que você passou por aquele local. No final, o peregrino deve comparecer ao escritório da Basílica de Aparecida para retirar o certificado de conclusão do Caminho da Fé.

 

ET -  Quais os ciclistas que participaram da peregrinação?

Ana Lúcia - Nosso grupo se chama Sobre 2 Rodas e com ele pretendemos conhecer vários lugares do Brasil e do exterior pedalando e é formado por, Eliana  Aparecida Ribeiro Pereira, Márcio Oliveira Pereira, Livian Flávia Zandonaide, Fabiana Cervato, Hérica Coetti, Regis coetti , Heliton Ferreira ( Helitinho ) e Ana Lúcia Scalon. De Araraquara (SP), tivemos o Otávio Ribeiro ( irmão da Eliana ); de São Paulo, Gustavo Caçador; de São Carlos, João; de Mogi das Cruzes, Elcio e nosso guia, Mauro Quinta, de São Carlos (proprietário da agência Rota Livre Cicloturismo). 


ET - O apoio ficou por conta de quem?

Ana Lúcia - Do Márcio, conhecido também como Palitinho, que transportava no veículo uma bike reserva, disponibilizada pela agência. Levamos apenas peças de reposição como câmaras de ar, pastilhas de freio e algumas peças que poderiam por ventura vir a estragar ou quebrar,  para possíveis consertos, mas graças a Deus nenhuma bike teve problema, chegamos bem !

 

ET - Se chegaram bem, todos cumpriram o trajeto?

Ana Lúcia - Infelizmente, não. No segundo dia do percurso entre a Pousada da dona Cidinha ( onde dormimos ) e a Pousada do Paina, onde tomamos o lanche da manhã, tivemos um incidente com a Hérica, ela caiu em uma das subidas e fraturou a fíbula (osso da canela). Imediatamente, o carro de apoio a resgatou e ela foi encaminhada para o hospital da cidade de Águas da Prata, onde tirou raio x, que confirmou a fratura,  e foi imobilizada. Seguiu no carro de apoio até Aparecida, na maior prova de companheirismo que poderia nos dar.

 

ET - Vamos situar a peregrinação cronologicamente. Datas de saída de Sacramento, de Tambaú e de chegada à Aparecida, com o percurso total do Caminho da Fé que vocês pedalaram.

Ana Lúcia - Saímos de Sacramento no dia 02 de setembro, da praça da Basílica do Santíssimo Sacramento em uma Van, contratada pela Rota Livre, que veio nos buscar junto com as bikes. Chegamos em Tambaú à tardinha, por volta das 18 h, visitamos a Igreja de Nossa Senhora Aparecida, muito conhecida por causa do Pe. Donizetti, grande propagador da fé em Nossa Senhora, lá nos hospedamos no Hotel Eliana e, no domingo, dia 03, por volta de 7 h da manhã já estávamos na porta da Igreja de Nossa Senhora Aparecida para o ínicio da nossa viagem, seguimos com destino a Pousada da D. Cidinha, a pousada mais tradicional do Caminho da Fé. É quase obrigatório para o peregrino dormir lá. Desse dia até a chegada em Aparecida do Norte no dia 09, pedalamos por 7 dias,  aproximadamente 420 km. 

 

ET - Como era a rotina diária do grupo no pedal, descansos, pernoites?... 

Ana Lúcia - Nosso dia começava sempre às 5h30 da manhã. Tomávamos café, arrumávamos as malas (que deveria conter apenas o essencial, poucas trocas de roupa para a noite, duas trocas de roupa de bike, pijama, um chinelo, roupas íntimas e objetos de higiene pessoal, toalhas são fornecidas pelos hotéis e pousadas). Conferíamos as bikes e, por volta das 7h da manhã, já estávamos na estrada. Pedalávamos até por volta das 10h, quando parávamos para um lanche rápido. Seguíamos até a cidade progr,

amada para o almoço, logo após, 15 min de descanso, reabastecimento do carro de apoio e lá estávamos nós na estrada novamente. Geralmente, tinha uma subida enorme como sobremesa (risos). Daí pedalávamos até a cidade do pernoite, o lanche da tarde era geralmente feito no carro de apoio mesmo, com frutas e água fornecidas pela agência.  Também levamos mix de castanhas e gel. Chegávamos às pousadas por volta de 18h, dependendo do percurso. Tomávamos banho, jantávamos e, por volta das 21h, já estávamos indo dormir.

 

ET - Houve algum acidente, incidente na peregrinação, principalmente pelo tipo de terreno que enfrentaram, quase todo ele estrada de chão, cascalho?

Ana Lúcia - O único incidente que teve foi com a Hérica, mas levando em conta o relevo com subidas intermináveis e até 10 km de descidas, bancos de areia, pedras soltas, foi super tranquilo. Em Andradas, na esquina do hotel, a Eliana e eu trombamos e levamos um tombo que rendeu alguns roxos a mais nas pernas, mas nada relevante.

 

ET - Como são as acomodações, refeições, atendimento nos restaurantes e pousadas, preço dos pernoites...

Ana Lúcia - As acomodações são bem simples, sem luxo, apenas o essencial para dormir e tomar um banho para recuperar do dia, os quartos geralmente têm somente as camas de solteiro ou beliche. Café da manhã bem simples também, geralmente com café, pão e bolos e leite, as pernoites eram em torno de R$ 50 a R$ 70, mas não sei ao certo informar já que havíamos pago tudo para a agência. As refeições, lanche da manhã e almoço eram feitos em padarias e restaurantes previamente escolhidos pela agência, com refeições simples e saborosas, girando em torno R$ 15 a R$ 20.

 

ET - O que mais contagiou o grupo durante a viagem: a fé em cumprir uma promessa, em agradecer por uma graça, pela unidade do grupo, amizade, pela aventura, pela paisagem?...

Ana Lúcia - O que mais motivou o grupo foi realmente a superação e a vontade de conhecer o novo, o sabor da aventura, mas durante o Caminho a fé se torna essencial, é ela que nos mantem centrados e nos ajuda a continuar. E o sentimento de amizade e companheirismo são uma constante durante todo o Caminho, um ajuda o outro a superar a dificuldade encontrada, se aprende muito com todos os companheiros e também com as pessoas que vamos encontrando pelo Caminho. Antes de ser sofrido, para nós foi divertido, tudo era motivo de risadas e piadas e acho que o bom humor nos fez mais fortes e aliviava o cansaço e desviava da mente as dificuldades do percurso. Acho que ainda ecoam nossas risadas por aquelas serras. As paisagens são deslumbrantes, dá vontade de vencer a subida só para poder olhar para trás e ser agraciado com toda a exuberância da natureza.

 

ET – Minha primeira peregrinação à Água Suja, minha maior emoção, depois de três dias de caminhada e vencer os 140 Km, foi avistar ainda de longe o Santuário de Na. Sra. Da Abadia... E pra você? 

Ana Lúcia - Pra mim foi a visão da Serra da Luminosa, acho que todos ao fazer aquela curva pararam para admirar a beleza que se estendia a nossa frente. Era o que todo mundo esperava ver . . . 

 

ET - Quais foram os trechos mais difíceis e panes ocorridas nas bikes?

Ana Lúcia - O trecho mais difícil foi, sem dúvida, entre Inconfidentes e Estiva. Se você vence esse o resto é fácil, não sei se é pelo cansaço que já acumula, mas foi o pior. A serra da Luminosa foi uma parte do trajeto que deixou todos muito ansiosos pelo grau de dificuldade, e tamabém pela distância que é longa! Mas o grupo estava tão unido que o que era pra ser um tormento e  sofrimento foi motivo pra muita diversão e risadas! 

O maior problema com as bikes seria perder o freio em uma descida, pois elas são muito fortes e longas. Mas, felizmente, a exceção do acidente com a Hérica não houve nada mais de grave.

 

ET - Fale um pouquinho sobre o apoio dada pela agência e quanto cada ciclista pagou.

Ana Lúcia - Nosso apoio foi feito com uma Fiat Doblo, dirigida pelo Márcio Nigri (o Palitinho) que levava um transbike para 4 bikes no teto e mais uma na parte de trás, ele transportava nossas malas (tem que ser pequena) e as frutas, isotônicos e água. As pecinhas de reposição são transportadas pelos ciclistas. Tínhamos o carro de apoio que ou estava nos acompanhando ou estaciionado em locais previamente estabelecidos, para que pudéssemos repor a água e comer. O carro de apoio pode também transportar pessoas machucadas, como foi o caso da Hérica, ou pessoas que não estão conseguindo prosseguir no caminho. Ele é essencial para o êxito do percurso, porque ele alivia o peso da bicicleta já que não teríamos que pedalar levando nossas roupas em um alforje preso a bike. E, também, na questão alimentar e de hidratação, pois, apesar de ter casas em todo o percurso, às vezes a sede bate justamente num local que não há nada por perto e água já acabou.

 

ET - O que é o Biker Anjo?

Ana Lúcia - É o ciclista responsável por cuidar da segurança das últimas pessoas do grupo, ele só sai da trilha quando todos os ciclistas já saíram. Nosso anjo foi o Mauro, dono da Rota Livre, que nos acompanhou durante todo o percurso e serviu de fotografo também.

 

ET - Fale agora da emoção da chegada ao Santuário Nacional de Aparecida...

Ana Lúcia - Bom, eu já comecei a chorar uns 4 km antes de Aparecida,  o choro veio de repente, era muita emoção, depois de 7 dias, depois de toda a preparação, chegar ali, realizar um sonho, meu coração batia a mil. Nós nos reunimos no portão de entrada do Santuário para entrarmos todos juntos, e foi emocionante, era como se fosse a primeira vez, comecei a filmar, pois eu queria que todas as pessoas que aqui ficaram e que torceram por mim, entrassem juntas ao Santuário. Naquele momento eu carregava muitas pessoas comigo na minha bike. E aí o choro correu solto, alegria, comemoração, abraços, de mãos dadas, rezamos agradecendo pela semana e pelo desafio cumprido. Estávamos em êxtase total!! Sabe aquele negócio de belisca aqui pra ver se é verdade?

 

ET - Alguma promessa feita no Santuário?

Ana Lúcia - Em setembro de 2018, lá estaremos nós fazendo o Caminho da Fé, novamente. Foi cansativo, foi dolorido, mas hoje não lembramos das partes ruins, somente das coisas boas que vivemos ! Mas antes vamos fazer o Vale Europeu, em Santa Catarina. O mundo agora ficou pequeno pra gente.

ET – Ah, ‘ixibida’!! 

Dicas de Ana Lúcia
Casa Geraldo - a 19 min de Andradas, em uma vinícola que se chama Casa Geraldo, há produtos Scala a venda. Festa dos Sacramentanos!
 Pousada João e Joelma: melhor pousada do Caminho, comida caseira, simples, mas de um sabor incrível.
 Bar do Mauro: um pastel maravilhoso e a cerveja Peregrina (artesanal); a farmácia do lado do bar tem preços salgados, dois quarteirões à frente tem uma farmácia com preços excelentes. 
 Inconfidentes/Estiva: é a prova de fogo do caminho, o pior dia e o mais pesado de todos, subidas fortíssimas e longas, passando por ele você está em Aparecida.
 Porteira do Céu: nome mais sugestivo dos pontos, ela fica depois de longas e incontáveis subidas. Bem própria para todos aqueles que quiserem ir para o céu.
 Morangos: Ao passar pela Porteira do Céu, você encontra grandes plantações de morangos, morangos gigantes e doces. Mas o diabo do capitalismo já chegou no céu, cada caixa com quatro bandejas, R$ 5,00
 Pico do Gavião: ponto turístico onde as pessoas usam como rampa de decolagem para paraglaiders e parapentes.
 Serra da Luminosa: é a pior de todas as serras, mas ao mesmo tempo a mais encantadora e esperada, linda e imponente; gastamos quase três horas para subi-la.
 Campos do Jordão: percurso maravilhoso, Campos a esquerda e a pedra do Baú a direita.
 Santuário de Na. Sra. Aparecida: emoção, lágrimas, bênçãos!! E um banho gostoso a R$ 5,00 com toalha do próprio Santuário. O melhor chuveiro de todo o caminho, ele realmente lava a alma.