Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Artista sacramentano se descobre transexual e se torna Miss Brasil

Edição nº 1474 - 17 Julho 2015

O seu talento ligado às fantasias carnavalescas o fez um campeão hors concours nos bons e inesquecíveis desfiles das escolas de samba da cidade. Da mãe costureira herdou o bom gosto para a criação e despontou do anonimato de uma cidade pequena para uma já metrópole, em Uberlândia, quando chegou há cinco anos. No final de 2014 foi eleita Missa Glamour Brasil e, no ínicio de 2016 representa o país no Miss Beleza Internacional, na Argentina.  Estamos falando de  Val Borges, ou Nick Bawer, e, brevemente, Monique Fornazier Borges (foto), que se prepara para uma cirurgia de redesignação sexual (mudança de sexo), um sonho acalentado desde que descobriu sua identidade de gênero. Filho de Valdir Fornazier Borges e Valdete de Fátima Borges, cresceu em Sacramento com as irmãs, Vívian e Vanessa, que lhe deram dois lindos sobrinhos: Evillyn Mariah e Gustavo Antônio.    “- Passei minha infância e juventude em Sacramento e fui aluna da Escola Cel José Afonso de Almeida, hoje, curso Fotografia e trabalho como modelo, designer e produtora de moda em Uberlândia, fazendo também trabalhos para outras localidades. Mas minhas origens estão aí”, revela ao ET. Confira na entrevista, nesta e na próxima edição. 

ET - Em que etapa de sua vida começou a perceber sua opção sexual, se é que o termo é correto? 

Nyck Bawer Val Borges - Na verdade, não se usa a expressão, 'Opção Sexual' no meu caso e sim 'Identidade de Gênero'. As pessoas ainda têm um conhecimento muito vago sobre isso. A gente descobre a identidade no decorrer da vida. Comecei a ter o acompanhamento psicológico e psiquiátrico há dois anos aqui mesmo em Uberlândia, através da UFU, num projeto da Faculdade de Medicina, período em que comecei também o processo transexualizador com endócrinos do mesmo projeto. Iniciei a minha hormonização e feminilização, ou seja, estou no encaminhamento para a cirurgia de redesignação sexual.

 ET - Bom, então, vamos reiniciar a entrevista, respeitando sua nova 'identidade de gênero' e reconhecendo desde já a modelo Nyck Bawer. Voltando um pouquinho no tempo e recordando sua vida estudantil em Sacramento... Você chegou a ser discriminada pelos colegas ou foi vítima de alguma forma de bullyng? E como superou?  

Nyck Bawer - Não tive problemas. Acredito que o fato de ser profissional na área de artes e moda em geral pode ter me favorecido nisso, nunca me vi em situações de discriminação. Minha família, graças a Deus, tem uma cabeça muito boa e tive uma aceitação e educação melhores ainda, sempre trabalhei com pessoas de vários tipos, vários setores e culturas e sempre fui bem recebida e respeitada. Acredito que o fato de muitas passarem por esse tipo de problema, tem a ver com o comportamento de cada um. Preconceito existe, mas cabe a cada um impor o limite das pessoas para consigo.

ET - Falando em discriminação, dê sua opinião sobre a união conjugal de pessoas do mesmo gênero, situando a questão dos filhos...

NB - Tudo isso é muito comum hoje em dia, conheço casais homossexuais que adotaram crianças e as tratam super bem, e, sobre o casamento de pessoas do mesmo sexo, tenho comigo que o amor não tem sexo, cada um se dá bem com quem for, desde que haja respeito mútuo, se é homem com mulher ou com homem ou mulher com mulher, enfim, cada um tem sua escolha. E não cabe a nós julgar, mas respeitar.  

ET - O seu talento artístico, conhecemos, é incrível e respeitadíssimo. Desde muito jovem você se revelou uma artista nata. O fato de sua mãe e avó serem costureiras a incentivaram para a moda? 

NB - Minha mãe, Valdete, e minha avó, Donária, sempre foram minha referência, têm  muito valor para que eu me tornasse a profissional que sou hoje, me espelho muito nelas. Meu pai “Didi” também me apoia muito no meu trabalho, isso é muito importante. Eu trazia essa forte herança e nos palcos e passarelas, fui me descobrindo com o tempo. Sempre me vi muito tímida, mas hoje sou outra pessoa. Aliás, fui convidada para ser repórter de uma revista virtual referente a baladas, só não aceitei, porque achei que ainda não era a hora, porque como Miss Glamour Brasil, preciso cumprir minha agenda e este trabalho  talvez pudesse  interferir nos demais eventos que teria que acompanhar como repórter. Mas não está descartada a ideia, prometi voltar nesse assunto, assim que entregar meu titulo.

ET - As primeiras revelações de sua arte foram no carnaval. Você abraçou o carnaval por convite, gosto pessoal, como aconteceu?

NB - Sempre gostei muito de poder ousar, criar, executar coisas que estivessem além do cotidiano de cada um. Comecei com uma fantasia e terminei levando muitos troféus de campeã, não apenas para minhas fantasias próprias, como para muitos foliões das escolas por onde passei. Ensinei, aprendi e acima de tudo compreendi muitas coisas com o carnaval de Sacramento, mas como tudo tem seu tempo, essa fase foi boa, mas acabou. Visto algumas pessoas ainda para a ocasião, mas nada que me faça entrar muito nesse meio novamente, decidi conhecer os carnavais de outras cidades como turista e foliona, ano que vem estarei no desfile de SP e Rio...

ET - O que a levou a deixar Sacramento e por que, Uberlândia? 

NB - Todo mundo tem de ter coragem de correr atrás de seus sonhos, eu descobri que o mercado de trabalho em minha área podia ser muito mais explorado e, ao decidir mudar, encontrei em Uberlândia minha primeira opção. Gostei e estou lá até hoje, há cinco anos. 

ET – Profissionalmente, o que tem feito por lá?

NB - Nos quatro primeiros anos trabalhei numa grande empresa têxtil como Designer de moda. Vesti algumas famosas e há quase um ano estou com meu próprio ateliê de alta costura e figurinista de arte. Além disso, presto serviços como instrutora de passarela em algumas agências de modelo e também dou aulas particulares de desenho de moda, porque há um interesse grande.  Hoje em dia, a moda se tornou muito prática e glamorosa ao mesmo tempo, não é difícil uma pessoa se vestir bem o tempo todo. Nas festas, por exemplo, temos um leque enorme de possibilidades que podem aguçar a criatividade de criadores, é um ramo que nos faz ter sempre ideias inovadoras e interessantes.

ET - Ao longo do tempo você foi se firmando na sua identidade pessoal e sexual... fale de sua vida hoje e em que consiste todo o processo transexualizador?  Poderia explicar a cirurgia?

NB - O processo é muito delicado, exige um acompanhamento muito rigoroso, mexe muito com todo o nosso corpo e mente e é fundamental que a ou o transexual faça esse acompanhamento. Tenho alguns psicólogos e psiquiatras que acompanham o meu processo nesse período; endócrinos; clínicos gerais; urologista e, por incrível que pareça,  ginecologistas também são parte do tratamento. Faço terapias semanais em grupos e, inclusive, com casais. A redesignação sexual é uma cirurgia muito séria que exige total conhecimento do assunto para que a decisão seja definitivamente tomada, uma vez feita a cirurgia, não tem como voltar atrás.

ET - Roberta Close, a primeira famosa brasileira a se submeter a esse tipo de cirurgia, foi obrigada a operar na Inglaterra, até por uma questão ética. Hoje, isso tudo pode ser feito no Brasil, sem burocracia, até mesmo via SUS?

NB - Por mais que as coisas hoje em dia sejam mais flexíveis, não é tão simples assim, algumas amigas fizeram no Brasil, mas para conseguir, tiveram que passar por todos os procedimentos que relatei anteriormente. E friso, é uma decisão muito difícil e séria a ser tomada. Ainda estou na fase de preparação, de aceitação do pós-cirurgia, mas estou decidida a fazer, sim, com a cirurgia  prevista para daqui a um ano. Se tudo correr bem, farei na Tailândia, onde existe o melhor procedimento, mas tenho a opção de fazer aqui no Brasil, com a mesma equipe tailandesa, mas só vou saber com o tempo. É uma cirurgia de alto custo, cerca de 30 a 50 mil dependendo do local onde será efetuada. A cirurgia pode ser feita pelo SUS, sim, mas não no meu caso, pois a fila de espera é muito grande...