Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Jornalista José Hamilton Ribeiro: Aos 80 tem a garra de um jovem

Edição nº 1505 - 19 de Fevereiro de 2016

ET – Não preciso falar da emoção em fazer esta entrevista, Hamiltom, com o papa do jornalismo brasileiro, 'Repórter do Século' 'Brasileiro Imortal...'. Bastaria uma self, mas já que nos concedeu essa honra, vamos ao trabalho. O que o traz a Sacramento, a terra de Eurípedes, de Pe. Victor, Carolina Maria de Jesus, Lima Duarte?...
José Hamilton:
O que me traz aqui é uma reportagem sobre um programa que viabiliza ao pequeno produtor, seja de leite ou de corte, contar com um touro puro registrado, de genética superior, enfim, um programa que facilita o acesso através de crédito, muito vantajoso para adquirir um touro de raça.

ET - No alto de seus belos 80 anos, olhando para trás, é claro que deve se orgulhar muito do trabalho realizado como jornalista e escritor... Com certeza, as lembranças mais fortes foram as da Guerra do Vietnam, mas de tudo, Hamilton, gostaríamos de saber quais as lembranças mais gostosas?
JH - 
Olha, o homem é a sua circunstância, assim teve aquela do Vietnã, que foi aquele  momento, depois passou... E, nos últimos 30 anos, estou trabalho no jornalismo rural, voltado para o homem do campo. E, se não tem a mesma visibilidade do jornalismo urbano, que mexe com política, macroeconomia e acontecimentos de força midiática, tem a sua compensação, porque trabalhamos com a alma do homem  do campo. E quem dirá que a alma do homem do campo é menor que a alma do homem da cidade. A extensão dela é tão grande, ou talvez até maior que a do homem da cidade... A gente, fazendo reportagens no meio rural, encontramos personagens agradáveis, pessoas interessantes, com muita sabedoria da natureza e, muitas vezes, esses personagens acabam sendo um tipo especial que a gente se recorda sempre. Ao longo desse tempo no Globo Rural, tive oportunidade de conhecer muitas pessoas cheias de uma filosofia simples, próximas da natureza e isso me atrai. O trabalho na área rural é uma lida que deve compensar as pessoas, mas também é um trabalho que deve respeitar a natureza.
 
ET - Vamos voltar um pouquinho e falar do período da ditadura. A revista Realidade foi lançada em 1966, realmente, um marco divisor entre a tradição e o novo jornalismo... Você contribuiu para a criação da revista Realidade?
JH -
Não participei da criação, mas estava lá. Ela nasceu em 1966, dois anos após o Golpe Militar, a Revolução de 31 de março, quando o Brasil ainda estava no Regime Militar, mas ainda não estava com a  ditadura. O Congresso e os partidos políticos ainda funcionavam, havia, sim, um respiro de liberdade que a revista aproveitou para fazer uma publicação bem interessante, arguta, bem indagadora e de descoberta de um Brasil que antes não aparecia na grande mídia. Foi uma revista que inovou. Não participei da criação, mas da primeira edição...

ET – Que trouxe o Pelé na capa...
JH –
Isso mesmo, que traz o Pelé na capa. E fui um dos repórteres que mais tempo ficou na revista. Passei a editor-chefe e fiquei até o seu fechamento, em 1976. Na época, a editora Abril lançou a Veja e passou a priorizá-la em detrimento da Realidade, que foi perdendo o seu poder, até fechar.
 
ET - A revista durou apenas uma década... Publicando temas mais ousados, como a questão do Woman's Lib, do Racismo, jogando na capa Luiz Travassos, presidente da UNE... A sua vida curta teve algo a ver com o regime militar?
 JH -
A Realidade durou dez anos, mas a sua primeira fase que foi o seu apogeu, vai de 1966 a 1970. Em dezembro de 1968 teve o  AI-5 e com ele veio o Governo Militar com  ditadura, veio a censura à imprensa e o trabalho na revista ficou difícil, mas fizemos grandes trabalhos, grandes entrevistas.

ET - E hoje, Hamilton, na sua opinião, nossas revistas semanais cumprem o papel informativo de um veículo que retrata a verdade factual do momento brasileiro?
JH -
A imprensa escrita do Brasil está passando por uma grande crise e as revistas também, as semanais, inclusive, ainda que algumas delas sejam fortes, expressivas, estão passando por crise, acomodação e é um momento de discussão, momento  de pisar no freio. Mas ainda assim, elas têm o seu papel, o seu lugar na imprensa brasileira.

ET - Você foi radialista, repórter televisivo, repórter da mídia impressa, tanto em revistas como em grandes jornais... Foi editor do Globo Repórter, Fantástico... passando também pelo Globo Rural... Qual foi a experiência que mais o agradou?
JH -
Trabalho na televisão é diferente do trabalho da imprensa escrita. Na imprensa escrita a gente é conhecido, mas não é reconhecido, já na TV  se dá  o contrário, a gente é mais reconhecido que conhecido ou  até as duas coisas. A televisão dá visibilidade, nos transforma, dá um protagonismo ao repórter, coisa que imprensa escrita não faz, pois, a pessoa está sempre atrás de máquina, da lauda, do papel e hoje, do laptop.
 
ET - Dos muitos troféus e prêmios conquistados, dos 52 anos entregues ao jornalismo... Ficou para trás alguma matéria que você gostaria de ter feito e não conseguiu?
JH -
Eu tenho uma lista de dez assuntos, reportagens que ainda quero fazer, só que, quando eu faço um deles, tiro aquele e ponho outro no lugar (risos). Então, sempre tenho a lista de dez assuntos. E sempre tem, ainda mais num país como o nosso, com as riquezas e dimensões humanas que o Brasil tem, assunto é o que não falta. Mas, duas coberturas sinto falta na minha vida. Uma foi a 'Queda do muro de Berlim', em 89. Para mim, o acontecimento mais fantástico dos últimos 100 ou 200 anos, de o povo derrubar uma muralha feita para aprisionar as pessoas, dividir, e o povo foi lá com as suas mãos e o derrubou. Foi de um significado fantástico aquilo. Outra coisa que sinto falta de não estar participando, é da  cobertura da Operação Lava Jato, que está fazendo uma reforma no Brasil, que nenhuma revolução militar faria.
 
ET - O que o move para ter essa vitalidade, nessa idade. A maioria das pessoas se aposenta aos 65 anos e vai curtir a vida. E você aqui em campo, trabalhando, voltando da Serra da Canastra...
JH
- Acho que depende do nosso entorno, e estou encaixado numa equipe do Globo Rural, que nos passa muito entusiasmo, nos dá muito apoio, muita segurança, então, o fato de eu estar trabalhando não é uma vitória pessoal minha, mas fruto de uma circunstância.
 
ET - Prá terminar, gostaríamos de saber do Hamiltom fora da redação do Globo Rurtal, longe das câmaras, em casa... Pode falar um pouquinho de sua vida pessoal?
JH -
Sou viúvo há seis anos, sou pai de suas filhas, uma delas, casada, tenho duas netas e estou muito encantado com elas. Eu, na minha idade, ter duas netinhas de dois anos é  motivo de muita alegria. Somos uma família comum e nessa altura da vida, como diz Gilberto Gil, “nessa altura da vida o que a gente espera é ter uma boa morte”.
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 ET - Nós temos um ditado aqui. “Quem bebe a água do Borá sempre volta pra cá”. Podemos esperar outras visitas do maior repórter brasileiro de todos os tempos?
JH -
Beleza! Eu voltarei atrás do Borá... (risos) Mas posso fazer propaganda do meu livro “Música Caipira: as 270 maiores modas de todos os tempos”?

ET - Claro, venha lançá-lo em Sacramento.
JH -
O livro 'Música Caipira: as 270 maiores modas de todos os tempos' é um trabalho de resgate da música caipira, da música de raiz, autêntica, com letras poéticas maravilhosas que contam histórias da vida no campo, trazendo uma mensagem boa. E quero que o livro chegue às livrarias de Sacramento.

ET - E eu posso fazer uma self? (Me preparando, atrapalhei, deixei o celular cair...) Me desculpe, a não ser em família, nunca usei o celular assim, muito menos com uma personalidade... Mas, posso?
JH
- Chegue aqui... (eu não conseguia me enquadrar)  Entre mais na foto... (risos).

 

Quem é José Hamilton Ribeiro

Paulista de Santa Rosa de Viterbo, José Hamilton foi considerado o 'Repórter do Século' ao completar 50 anos' de carreira, em homenagens recebidas há dois anos. É autor de 15 livros derivados de suas reportagens no Brasil e mundo afora. O primeiro deles, "O Gosto da Guerra" (1969), retratando a cobertura feita na Guerra do Vietnã, em 1968, feita para a então recém criada revista Realidade, ocasião em que perdeu uma perna ao pisar numa mina terrestre.
“Sinto-me no ar, voando, mas ainda assim com uma certa tranqüilidade para pensar - A guerra é de fato emocionante. Agora entendo como há gente que possa gostar da guerra”. Foi esta a frase que lhe passou pela cabeça instantes depois de ele ter pisado numa mina na Guerra do Vietnã, em março de 68. Mas quando a espessa cortina de fumaça se dissipou, o correspondente de guerra sentiu seus músculos retesarem. Seu corpo rodopiou e ele caiu no chão. Buscou a perna esquerda, mas ela não estava mais ali. Tudo era sangue e horror...”, contou no livro.
Entre as redações por onde passou, estão as das revistas Realidade e Quatro Rodas, jornal Folha de S. Paulo e dos programas Globo Repórter, Fantástico e Globo Rural, onde há 30 anos é repórter e editor.
Com 52 anos de profissão, iniciou a carreira na Rádio Bandeirantes, em São Paulo, de onde logo partiu para o jornalismo impresso, ao qual se dedicou por 25 anos. Nos outros quase 30 anos,  dedica-se a projetos da Rede Globo, particularmente no Globo Rural.
É autor também da publicação "Jornalistas, 37/97" (1998) que reflete sobre a história da imprensa ao longo dos 60 anos de existência do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo.
Dentre suas obras, além do pioneiro, “O gosto da guerra” e “Jornalista 37/97”, temos  Pantanal Amor Bágua, Senhor Jequitibá, Gota de Sol, Vingança do Índio Cavaleiro, Os tropeiros (2006) e seu último livro, 'Música Caipira: as 270 Maiores Modas de Todos os Tempos' dentre outros, todos, frutos das experiências adquiridas na profissão.
Dentre os grandes eventos cobertos pelo jornalista José Hamiltom, está o assassinato do senador Robert Kennedy, em 1968.
 Sua longa trajetória jornalística lhe rendeu sete prêmios Esso em diferentes categorias jornalísticas e mais, Prêmio Embratel de Jornalismo, o Prêmio Internacional Maria Moors Cabot, da Universidade de Columbia, uma das maiores honrarias do mundo, para um profissional de jornalismo, além do  'Prêmio Brasileiro Imortal', em 2008, dentre outros.