Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Editorial

Sem liberdade a verdade não aparece, mas sem respeito, ela esmorece

Maria Elena de Jesus

“A liberdade de imprensa é um bem da sociedade, antes mesmo de ser um direito de profissionais e de empresas ligadas a essa atividade e por sua própria natureza, exige mobilização constante, vigilância permanente e firme posicionamento diante de fatos que representam ameaça ou que efetivamente a atinjam”. A afirmativa é da Rede em Defesa da Liberdade de Imprensa, que tem o apoio da Unesco, dentre dezenas de outras organizações internacionais.

Mas o objetivo aqui, agora, não é propriamente, falar de liberdade de imprensa, mas da vergonhosa manipulação que a grande mídia é capaz de fazer. Referimos-nos ao caso de Rodrigo Viana, ex-jornalista da Globo, que teve a coragem de denunciar as manipulações da ´vênus platinada´ em relação à política brasileira, ou melhor, políticos brasileiros, endeusando uns e massacrando outros. E não estamos defendendo Viana por sua postura, de rasgar o verbo só depois de sua demissão. Por que não denunciou antes? E nem entenda o leitor ser essa uma opinião político-partidária. Porém, o fato não pode passar em brancas nuvens, porque a denúncia foi feita numa rede de TV de alto nível, a rede Record.

Na carta enviada aos colegas, o repórter afirma que a emissora atuou para prejudicar a campanha de Lula à reeleição. A intervenção minuciosa em textos, trocas de palavras a mando de chefes, entrevistas de candidatos (gravadas na rua) escolhidas a dedo (...) A omissão da investigação em relação a muitos nomes, como Abel Pereira, Barjas Negri, Platão. “Que jornalismo é esse, que poupa e defende Platão, mas detesta Freud Godoy! Deve haver uma explicação psicanalítica para jornalismo tão seletivo! Ah, sim, Freud. Elio Gaspari chegou a pedir desculpas em nome dos jornalistas ao tal Freud. O cara pode ter muitos pecados. Mas, o que fizemos na véspera da eleição foi incrível: matéria mostrando as "suspeitas", e apontando o dedo para a sala onde ele trabalhava, bem próximo à sala do presidente... A mensagem era clara. Mas, quando a PF concluiu que não havia nada contra ele, o principal telejornal da Globo silenciou antes da eleição”, revelou.

“Também não vi (antes do primeiro turno) reportagens mostrando quem era Abel Pereira, quem era Barjas Negri, e quais eram as conexões deles com PSDB. Mas vi várias matérias ressaltando os personagens petistas do escândalo. E, vejam: ninguém na Redação queria poupar os petistas (eu cobri durante meses o caso Santo André; eram matérias desfavoráveis a Lula e ao PT, nunca achei que não devêssemos fazer; seria o fim da picada...). O que pedíamos era isonomia.

Durante duas semanas, às vésperas do primeiro turno, a Globo de São Paulo designou dois repórteres para acompanhar o caso dossiê: um em São Paulo, outro em Cuiabá. Mas, nada de Piracicaba, nada de Barjas.! (...)”, diz mais Viana, em trechos da carta à disposição na Internet.
Se formos citar todos os trechos, será publicada a carta quase que na íntegra. Mas o certo é que a rede Record de televisão exibiu no domingo de Natal o seu "Especial de Natal" uma matéria extensa, a carta do repórter Rodrigo Vianna. Mostrou também as imagens da prisão dos Maluf e do Repórter Cesar Tralli junto da Policia Federal como se fosse um policial. E várias outras imagens. O "especial" mostrou o discurso da governadora Rosinha Matheus que acusou a Globo de ter conta em paraíso fiscal...

Mas o curioso de tudo isso é que muito pouco se pronunciou, muito pouco se justificou. O diretor global Luiz Cláudio Latgé, ao responder ao Uol, limitou-se a chamar Viana de mentiroso, desequilibrado. “Lamento que tenha perdido o equilíbrio e tentado transformar um assunto funcional interno numa questão política, que jamais existiu”, respondeu.

Há que se punir aqueles que rejeitam ou denigrem a preciosa liberdade dada à imprensa. Por isso há que se reportar ao Instituto Gutemberg que diz: “A liberdade de imprensa não pertence às empresas jornalísticas. É um valor democrático da sociedade, e pressupõe o direito de informar e de ser informado, com precisão e honestidade. A liberdade de imprensa não autoriza a mentira, a distorção, a calúnia ou a injúria. Não endossa a ilação no lugar da apuração, o ouvir dizer ao invés do testemunho. Não dá o direito de omitir fatos e notícias. Não pode ser uma casamata da leviandade, nem gazua para o negócio da notícia em prejuízo do interesse da notícia”.

Se verdade forem, as declarações de Viana, é lamentável, no entanto, havemos de admitir que tardou acontecer o que já era esperado desde que as concessões de emissoras passaram a ser de direito de políticos e politiqueiros.
E terminamos o texto ainda na dúvida. Acreditar em quem? Na Globo? Ou no Rodrigo Vianna? E, se o carinha for desequilibrado, como diz Latgé, não haverá hospital que o aceite, porque só alguém bem lúcido conta uma história dessas.

(*) M. Elena é professora de L. Portuguesa