Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Gabriela Teodoro: Uma fantástica experiência na África

Edição nº 1427 - 15 Agosto 2014

A sacramentana Gabriela Fullin Resende Teodoro, 30, esteve em Sacramento entre os dias 1º a 10, depois de 17 meses ausente do Brasil, período em que participou de projeto solidário na África, se preparando para o doutorado. Retornando ao Brasil no final do mês de julho, pôde matar a saudade dos irmãos Pedro, médico ortopedista em Sorocaba (SP) e Gustavo empresário de Marketing e estudante pós-graduando  em Curitiba PR). E, nas Minas Gerais, o reencontro com os pais, Meire Fulin, em Uberaba

e, e o médico Pedro Teodoro Rodrigues de Resende, em Sacramento, onde estão também, segundo Gabriela, os melhores amigos. - “Saí de Sacramento com 14 anos, 

para cursar o segundo grau em Uberaba, Gabriela é graduada em Nutrição pelo Centro Universitário Filadélfia (UNIFIL) (2005) e várias especialidades, atua na área de bioquímica da nutrição, em nutrição experimental, com ênfase em nutrição e desenvolvimento fetal e  é Professora  do curso de Nutrição,  da Universidade Anhanguera Brasil e tem trabalho dissertativo publicado nesse campo, numa das mais conceituadas revistas médicas  a JournalofNutrition, com o títtulo,“Lucineis essencial for 

attenuating fetal growthrestrictioncausedby a protein-restrict diet in rats”,  dentre outras.  Terminado o mestrado, Gabriela inscreveu-se no One World Center, 

ONG internacional com trabalhos voltados para os países pobresda África. Confira o que ela tem a contar. Veja a entrevista que concedeu à repórter free-lacer, Maria Elena de Jesus.


ET - De repente, você resolveu deixar tudo ir para o trabalho voluntário, experiência que você define como fantástica...

Gabriela - Concluindo a graduação e a especialização no Paraná, me mudei para São Paulo e ingressei no mestrado na USP e fui lecionar, durante três anos, mas deixei para me dedicar a esse projeto. Só voltarei a lecionar no início do  próximo ano. A ONG One World Center oferece um programa que, na tradução literal, é 'Luta ombro a ombro com a pobreza'.  Durante os estudos, analisávamos muitas imagens da África, ocontinente  com o maior índice de desnutrição em todo o mundo. Ao assistir ao filme 'Amor sem fronteiras' (2003) estrelado por Angelina Jolie e Clive Owen, o filme me tocou, alguma coisa despertou em mim a vontade de fazer um trabalho sobre nutrição lá. Vim para São Paulo, e durante o mestrado segui com os trabalhos nas favelas, como fazia no Paraná e desenvolvi  minha pesquisa e dissertação no mestrado sobre 'Suplementação com aminoácidos' e fiz esse trabalho  pensando nas pessoas da África. 

 

ET – Em que consiste essa pesquisa?

Gabriela - A pesquisa consiste na fortificação de uma farinha de fácil acesso e baixo custo. Já foi testada em animais com excelente resultado, só que para testar em humanos, preciso do doutorado. Então, vi que era hora de ir para a prática, ir à África, conhecer de perto a realidade, vivenciar tudo pra depois ir para o doutorado. No Brasil, não há nenhuma ONG que oferece programas desse tipo, mas não desisti, até que descobri a One World Center, que tem sede no estado de  Michigan, embora tenha nascido na Dinamarca. É uma organização que tem diferentes projetos, que reúnem pessoas do mundo todo... Passaram-se mais de dez anos, desde que esse desejo foi despertado em mim. Não pensei duas vezes, larguei tudo e parti.

 

ET – Primeiro para Michigan?

Gabriela – Sim, para seis meses de preparação. Quem faz o programa recebe  três certificados: um, do programa em si; outro, do trabalho desenvolvido na África e o terceiro é de especialização de curso à distância  com o tema, 'Na luta ombro a ombro com os pobres', obtido com 1.500 horas de estudos. É um programa muito puxado, muitas apresentações de trabalhos, exames... Além disso,vivemos numa comunidade alternativa, no estado de  Michigam, mas morávamos numa fazenda, numa cidadezinha chamada Dowagiac. Na fazenda todos trabalhamos em tudo. Não há empregados. Lá se come o que se planta. Todos cozinham, cuidam da casa, da horta, do pomar, das lavouras, das roupas, reformas e pinturas nas casas e dos estudos, aulas de sociologia, política, economia, filosofia, relativas aos países assistidos pela ONG, ouvíamos e dávamos palestras. 

 

ET – Literalmente, lá se aprende a fazer, fazendo... como nós, mineiros, dizemos, 'mais vale a prática do que a gramática'.

Gabriela – É isso mesmo!  E com isso vamos aprendendo com a prática, coisas que, infelizmente, na faculdade só aprendemos na teoria. Isto é, o programa desenvolve habilidades para que possamos trabalhar nos países para onde vamos. Durante o voluntariado, trabalhamos juntos, por isso, o nome 'ombro a ombro'. A organizaçãobusca desenvolver o espírito de liderança de cada um, para podermos  mobilizar as pessoas do lugar escolhido para o ombro a ombro. Enfim, esse tempo na Organização foi uma universidade aberta. 

 

ET - A opção por Moçambique foi sua ou da Organização?  Foi sozinha?

Gabriela - Foi opção minha, por se tratar de um país de língua portuguesa, o que pouco adiantou, porque eles se comunicam em 24 dialetos diferentes. Como todo trabalho voluntário é feito em equipe, eu viajei com um brasileiro e um colombiano. O brasileiro desistiu do projeto e o colombiano teve problemas com o visto, que é muito rigoroso e não pôde ficar.  Acabei sozinha naquele mundo de Deus, mas não desisti. 

 

ET - Fale um pouquinho de Moçambique... 

Gabriela - Moçambique é um país jovem quanto à sua independência, 39 anos. Está entre os países subdesenvolvidos da África e como todos os países subdesenvolvidos, ou em desenvolvimento, como o Brasil, a distribuição de renda é bem desigual. Como aqui, a riqueza está concentrada nas mãos  de poucos. Mas o país vem se desenvolvendo com a participação de grandes empresas nacionais e transnacionais e ainda há muito o que se fazer. Por exemplo, em Tete, o estado onde fiquei,  está a Vale do Rio Doce trabalhando com extração de minério. País que conquistou sua independência recente, em 1975, é administrado desde 1992 pelo partido Frelimo, estando na oposição o Renamo. Moçambique tem uma população essencialmente negra, pessoas de outras raças por lá são turistas e trabalhadores internacionais e são muitos. 

 

ET - O impacto que você teve e as dificuldades enfrentadas...

Gabriela - Olha, ao chegar a Moçambique, no primeiro momento, não foi tão impactante porque eu já fui com experiência  de projetos sociais em favelas no Paraná e São Paulo. Só que ao chegar ao distrito Chiuta, onde fiquei, distante de Tete 120 km,  vi uma coisa assustadora, uma pobreza tão grande, coisa inimaginável.  As fotos, a televisão, os filmes não mentem. Não há saneamento básico, não há água potável. As pessoas caminham quilômetros em busca de água, eu vivi essa experiência com eles. E são as mulheres e crianças que fazem isso. Não há hospitais, só nas grandes cidades. Nos distritos há centros médicos, mas muito precários e não há médicos. Escolas, nos distritos, quando há,são precaríssimas.  O índice de analfabetismo chega a 58%; o de mortalidade é altíssimo, sobretudo de crianças. A expectativa de vida é muito baixa, em média, 51 anos. Eles se casam muito novos, não há controle de natalidade, as famílias têm muitos filhos, as mulheres dão à luz em casa e a mortalidade é muito alta, nos primeiros anos  de vida. As principais causas de morte são pela diarréia, AIDS, cólera e malária. 


ET – Você contraiu alguma doença?

Gabriela – Sim, é impossível não contrair alguma doença, mesmo estando vacinada, fui vítima de malária.  E espero que o ebola não chegue lá, porque já é um sofrimento muito grande. Eu vi com meus próprios olhos a fome, a miséria.  A vontade que a gente tem é de ficar, pegar as pessoas no colo e cuidar. Um dia vou voltar. Foi uma experiência que mexeu muito comigo. É um povo inteligente, mas tudo é muito precário. Eu fui para trabalhar numa escola de formação de professores, mas são meninas, com um rendimento sofrível. O nível de conhecimento é baixíssimo...

 

ET – Em que frente de serviço você trabalhou?

Gabriela - Fui para dar aulas, mas há muitas frentes em que a gente pode atuar e há aquela coisa da vontade de ajudar, de fazer algo, então fiz mais que lecionar. Fui viver e conviver com a comunidade, camponeses que vivem do que plantam e como nutricionista, me vi na obrigação de contribuir de alguma forma. Aí me integrei num grupo de voluntários irlandeses, que desenvolvia um projeto de alimentação alternativa.  


ET – Como foi sua adaptação e as dificuldades vividas?

Gabriela - As dificuldades encontradas foram menores do que as dificuldades daquele povo e  não foi difícil me adaptar. O mais difícil, foi em relação aos homens, a sociedade é muito machista. Imagine, uma mulher sozinha, branca, com cara de menina chegar com idéias por lá? Por outro lado, tive muito apoio das crianças e mulheres, até porque as mulheres é que fazem quase tudo e aí o trabalho foi em frente,  foi uma ação muito profícua. Mas, avalio assim, mais que a contribuição que pude dar para eles, foi o que eles me ensinaram. Saí de lá outra pessoa. Eu ajudei com o meu conhecimento, mas voltei transformada, uma evolução espiritual e um desenvolvimento humanos  que não aprenderia em nenhum outro lugar. Então, quero voltar para ajudar no que puder, trabalhar com quem acredita, embora saiba que será mínimo. 

 

ET - A cultura do povo e a hora da despedida?

Gabriela – Vixi!! Na despedida foi uma confusão de sentimentos: fico ou vou embora?. Eu tive a sensação de bem estar de concretizar um sonho pessoal e pelo que pude ensinar e vivenciar.  Por outro lado pensei que, para que isso tenha um maior impacto no futuro, eu precisaria estar aqui.  Aí na despedida, as pessoas nos abraçam, choram, nos agarram como se fôssemos uma solução. A afeição deles pelos voluntários é muito grande. A gente sente que eles querem ter uma vida melhor que seus pais, que os filhos tenham vida melhor que a deles. 

 

ET – A cultura...

Gabriela - É fantástica.  Eles preservam a cultura. O dialeto deles, o cheua é milenar e pude incorporar muita coisa da cultura. Tínhamos intérpretes, mas aprendi muito do dialeto. Eu me vestia como eles, usava a capulana, um pano muito colorido que envolve as mulheres da cabeça aos pés. Na preparação, somos orientados a não interferir nos usos e costumes. Não somos formados para isso, e sim para levar alternativas de melhorias de vida e o interessante é que todo voluntário ou turista respeita a cultura deles que é muito rica.  

 

ET - Retornando ao Brasil, depois de 17 meses, os planos futuros? 

Gabriela - Tenho seis meses pela frente, digamos de 'folga', que vou aproveitar para pôr algumas coisas em dia. Eu só voltarei a lecionar no ano que vem, pois tenho que esperar o ano letivo terminar, então, vou dar uma respirada, começar a me preparar para o doutorado, vou  entrar num estúdio e realizar outro sonho: a música. Sempre gostei de musica, de cantar. Tenho muitas músicas prontas. Digo que a única coisa que nasci sabendo fazer foi cantar, a música é nata em mim. Quando morava em Sacramento, até os 12, 13 anos estudei música no Instituto Musical Neoson. No Paraná, criamos a banda 'Nós e Ela', porque eu era a única mulher, a vocalista. Sei tocar violão, piano, mas nunca tive tempo de me dedicar à música. Não tenho a ambição de me tornar profissional, não quero seguir carreira, vou gravar por gosto mesmo e, a partir do ano que vem as coisas entrarão no ritmo. Não sei quando, mas um dia voltarei para Moçambique. 

 

ET - Voltar a Sacramento, rever a família, amigos... 

Gabriela - Eu até poderia continuar na organização em Michigan e buscar novos projetos, mas eu precisava voltar também pela família. Para mim, família é algo de grande importância e a saudade batia forte. Um dos motivos que me fez voltar foi a família. Rever pai, mãe, irmãos, amigos é lavar a alma. Foi muito bom esse reencontro.  Sacramento é a minha origem, minha referência. Aqui estão minhas grandes amizades, pessoas que sempre estou contatando. E, uma coisa curiosa foi a falta que senti das palmeiras retiradas. Eu treinava vôlei no poli,  descia e subia vendo as  palmeiras. Daqui de casa da sacada, eu ficava olhando. De repente, foi como se um pedacinho de mim tivesse sido arrancado. Mas, apesar de sentir falta de vê-las daqui de casa,  vi que, felizmente,  plantaram outras e quero que elas cresçam logo. 


ET - Prá terminar, gostaria de saber se você se sente realizada e se o coração já tem dono? 

 

Gabriela – O coração está cheio de saudades, meu  namorado costa-riquenho, o Gabriel, que conheci na organização, ficou por lá. No ano que vem vocês vão conhecê-lo. Ele virá ao Brasil em fevereiro. Estar realizada? Neste momento eu sinto que sim, mas o ser humano precisa sonhar. Vou gravar minhas músicas e outros sonhos já estão sendo sonhados. O mundo precisa de sonhadores.