Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

O milagre da mesa posta

Edição nº 1575 - 16 de junho de 2017

Vem de muito longe o meu encantamento por uma mesa posta, seja para o café da manhã, para um lanche, um almoço ou um jantar. Trata-se de um ritual cujo sentido sugere acolhimento, gentileza, primor. Uma mesa posta é um hábito salutar do qual nunca abro mão. Talvez, por isso, preciso explicar o título desta crônica: O Milagre da Mesa Posta, pois, no meu entendimento, há um misterioso milagre encontrar numa casa, ainda que despojada e simples, uma mesa posta à espera dos que possam dela desfrutar!  Para mim, acolhimento puro!  Não estou me referindo a requinte; não se trata disso, mas do significado que representa uma mesa posta. Tomemos, como exemplo, os cafés da manhã oferecidos, quer em mesas simples ou requintadas, sofisticadas ou chiques, mas mesas que se põem à espera dos que vierem nelas se sentar. Minha memória traz de volta as mesas do café da manhã, ou o lanche das tardes, da casa da minha mãe: cidade pequena com duas padarias por perto. Mesa sempre coberta com uma toalha de mesa, ou um joguinho americano, detalhe, limpinhos. Chávenas com os seus pires, cestinhas para os quitutes, talheres, garrafa térmica, algumas frutas, enfim, um serviço completo para uma primeira refeição. Café fresquinho na cafeteira, fresquinho, sim, porque renovado a cada pessoa que acabava de chegar: Nunca um café requentado. Às vezes, o pãozinho quente, comprado na padaria, e o pãozinho de queijo quentinho vindo da padaria mesmo, ou tirado do congelador. Nesta mesa, sempre que possível, uma laranja picada, uma rodela de abacaxi, um mamão papaia, saladinha de frutas, mel, enfim, o que estivesse disponível na geladeira ia para a mesa e, se não houvesse nenhuma fruta para servir, o café fresquinho estava garantido.      Em volta daquela mesa iam se sentando os que chegavam porta adentro, nada de campainha avisando a chegada de alguém, pois as portas estavam sempre abertas! E esse hábito da mesa posta foi se estendendo de geração em geração. É preciso admitir que muito deles acabaram se tornando – bem requintados, mas sempre mantendo o milagre da mesa posta: arranjos de flores, jarras d'água, louças coloridas e modernas.  Em algumas casas, percebe-se que a preferência recai sobre as saladinhas de frutas regadas a cerejas, morangos,uvas, kiwis, água de coco e saborosas quitandas; em outras, a preferência fica pelas castanhas, diversos tipos de queijos, café servido com grãos especiais, sucos naturais e água de coco (presente em todas as mesas);já em outras, chazinhos( quentes ou gelados), ora de erva cidreira, alecrim, manjericão, tortinhas salgadas, quiches de queijo, mousses, mas, em todas elas, o reinado fica ainda reservado ao pãozinho de queijo.

   Ficar algumas horas sentados com parentes e amigos, jogando prosa fora e saboreando um caprichado lanche ou café da manhã, torna-se uma verdadeira celebração.

   Assim, sempre que o milagre de uma mesa posta acontece na casa de alguém, esse encontro fica registrado num cantinho qualquer da memória, deixando muita saudade! Vivamos, pois, sempre que possível, esses momentos, pois eles costumam se tornar eternos, embora passem tão depressa!

    Então, voltando o relógio do tempo, para a cidade onde nasci, posso afirmar, sem medo nenhum de errar, que todos os parentes e amigos que se sentaram, algum dia, despreocupadamente, na singela mesa posta, na casa da Nonna (minha mãe), lá em Sacramento, jamais se esqueceram, pois tiveram a oportunidade de experimentar, ainda que por alguns instantes, um gostinho de eternidade, e é justamente isso que, no meu modo de ver, explica o milagre da mesa posta.

 

Mariù Cerchi Borges  

Maio de 2017