Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Entrevista: Ada Santos: Amo a vida e tudo o que nela existe

Edição nº 1588 - 15 de Setembro de 2017

Ada Santos 73 é uma sacramentana, nascida aos pés dos últimos rincões da serra da Canastra, na fazenda Aldeia, região do Cafundó, de visão privilegiada para contemplar todo o vasto vale do rio Grande, hoje represa de Jaguara. E Ada guarda essas indeléveis lembranças da meninice ali passada com os pais, Geraldo Magela dos Santos (Geraldo Tomás) e Adélia  Borges Santos, e os irmãos, Iracema (Arnaldo), João Luiz (Cândida), Irene (Rodolfo Rezende). Mas ela, confessa, dando boas risadas, era a mais peralta da turma. 

“Infância inesquecível!” - reconhece Ada, lembrando que, logo que chega a idade escolar, os filhos todos vêm morar em uma casa alugada na cidade. Os estudos foram feitos todos eles no antigo Ginásio da Escola Normal de Sacramento, hoje Escola Coronel, até a formação profissional nos únicos dois cursos profissionalizantes existentes, o Magistério (Normal) e o Contabilidade. 
Já formada, é convidada pela então diretora Aracy Pavanelli para trabalhar como 'disciplinária' e bibliotecária. Fez história e amigos naqueles bons tempos em que os estudantes ainda liam e reliam os clássicos da literatura brasileira e portuguesa, sob orientação dos ciosos mestres. Embora radicada em Uberaba há muitos anos, Ada nunca perdeu o contato com suas origens e os amigos, que não são poucos. Mas, da fazenda Aldeia, sobrou apenas, no dizer de Drummond, 'um retrato na parede'. Veja a entrevista que nos concedeu às vésperas de completar 73 anos, rodeada pelos irmãos, cunhados e sobrinhos...
ET - Você nasceu ali aos pés da serra da Canastra... Que lembranças você guarda dessas paisagens bonitas, como esta que adorna sua sala de visitas?
Ada - São tantas lembranças que vivem em mim... Eu não vivo de lembranças, gosto de viver o presente como se estivesse lá, com meus pais, irmãos, conhecidos e tudo como era. Eu não gosto de lembranças, porque não gosto de ter saudade e nunca senti saudades... Ali era tudo muito lindo, tardes maravilhosos, o por do sol no vale do rio Grande, passear na casa da tia Sinhana e tio Inácio, único lugar que a gente podia  ir.  Meus pais eram muito enérgicos e não deixavam a gente sair, mas acho que  todos os  pais daquela época eram assim. Eles eram muito zelosos e a gente tinha um respeito muito grande.  Mas ainda assim eu era custosa, levada, gostava do mal feito e tudo que eu podia fazer eu fiz e fiquei marcada, porque não escondia nada...
ET - Amigos de infância na fazenda Aldeia...
Ada - Eram só os filhos de tia Sinhana e tio Inácio, ele era irmão do papai e tinha meus primos Loiola, o Geraldo, Antonio, Elias, Inácinho, a madrinha Mona, a Ágnes, já um pouco mais velhos, mas eram nossas amizades. Por isso, a gente brincava mesmo era sozinho, cada um nas suas casas. E eu aprontava todas!! E minha vítima preferida era a Irene. Mas tem um detalhe, quando mamãe pegava a gente com uma vara não sobrava ninguém, era pra todo mundo...  Os irmãos Loiola, posso dizer, já eram meus pajens. Inclusive, quando eu nasci, mamãe teve um começo de eclampsia, um problema grave ligado a hipertensão arterial... Naquele momento, meus primos, Elias e Inácio, vieram à cidade a cavalo buscar o médico, doutor João Cordeiro, que era meu padrinho. Foi um parto difícil, eu era irmã gêmea de Ida, que morreu aos três meses de idade. 
ET - Deixando as peraltices da Aldeia chega à cidade para estudar. Fale das escolas, colegas e professores...
Ada - Vim para a cidade aos sete anos. Meus irmãos já estavam aqui em uma casa que papai alugou para esse fim. Não passei 'por escolas', pois todos os meus estudos do, 1º ano primário ao 3º ano dos cursos Normal e Contabilidade, todos eles na Escola Coronel. Minha vida escolar foi ali, no primário, ginásio, magistério e contabilidade e depois de concluir os estudos, trabalhei como 'disciplinária' e bibliotecária por dez anos.
ET - Lembra de suas professoras do curso Primário?
Ada - Claro. Mesmo porque, minha primeira e única professora no primário foi a madrinha  Munim, minha prima e madrinha de Representação, a Da. Nair Loiola, que hoje é a irmã Maria Bartolomeia.  Ela é minha prima, madrinha, professora do primeiro ano até o curso de Admissão. E quando ela foi para o mosteiro, quase morri de chorar. Acho que foi aí que tomei a decisão de não me apegar a mais nada. Por isso, graças a Deus, fiquei solteira (risos). Apego não é comigo, não nasci pra sofrer.
 
ET - No Ginásio...  (hoje, do 6º ao 9º ano)?
Ada - Ih, foram muitos professores, Dona Célia, Zezé, Sobral, Salete, dona Corina, Dr.Paulo, Eleuza Pontes, Ilza Neto, Marcelino, Dona Aracy que, além de diretora, lecionava Matemática... Colegas foram tantos, que nem vou conseguir lembrar os nomes, Walber Ramos, Maria Emília Canassa, Cidinha da Matta, Maria Aparecida Moreira, Zulmar... 
ET - Nessa época, mulher era treinada para ser professora e 'dona de casa', não é? - com todo respeito. E lá foi a Ada fazer o curso Normal ou Magistério... Foi isso mesmo?
Ada -  É verdade, era comum as mulheres, terminado o Ginásio, cursarem o Magistério. Mas eu nunca me imaginei professora, numa sala de aula. Então, como o Magistério era à tarde, eu me matriculei também no curso de Contabilidade, à noite. Mas o Magistério, que na época a gente chamava de Normal, foi maravilhoso. A gente aprende muito para a vida, com Mariú Cerchi e dona Célia, na Psicologia; Corália, na Didática; padrinho João Cordeiro e Vigilato na Biologia e Puericultura (área da saúde que se dedica ao estudo dos cuidados com o ser humano em desenvolvimento, mais especificamente com o acompanhamento do desenvolvimento infantil - grifo nosso). Já no curso de Contabilidade peguei alguns professores diferentes, como o professor José Silveira, Rolando  Soares, Garibaldi França, Jorge Cordeiro, Salete, no Português, dona Aracy na Estatística...
ET - Concluídos os cursos, você ingressou na faculdade ou foi trabalhar?
Ada - Fui trabalhar na mesma escola onde terminava de concluir os estudos.  Esses cursos eram municipais, mas depois foram encampados pelo Estado. De princípio, não havia concurso, entrei como contratada a convite de Da. Aracy. Comecei como 'Disciplinaria', uma função existente na época para trabalhar junto às salas de aula, na disciplina mesmo dos alunos, especialmente naquele espaço entre uma aula e outra. Hoje, eu acho que é o Auxiliar de Secretaria. Depois fui para a Biblioteca. Enfim, foram dez anos como servidora da escola, até 1973, sempre tendo Da. Aracy como diretora. Aliás, quando eu deixei a escola, ela continuava na direção.
ET - Como você encara esses dez anos como educadora, mesmo fora da sala de aula?
Ada - De muito trabalho, profissionalismo, mas também de muito aprendizado e muitas amizades. Convivi com colegas maravilhosos, que encaravam a Educação com muito empenho, responsabilidade e amor. Tinham todos muito prazer em ensinar e os alunos em aprender. Mas uma coisa era diferente, pelo que vejo falar hoje. Eram todos muito respeitados pelos alunos. Claro que havia indisciplina... Mas nenhuma violência do tipo que lemos hoje pela imprensa ou ouvimos os professores relatarem... Então, eu encaro esse tempo com boas e felizes recordações, embora eu goste sempre de estar vivendo o momento presente. 
ET - Sabemos que depois você fez Direito... Por que deixou o emprego na escola, foi para fazer Faculdade?
Ada - Não, nessa época, eu morava com meu irmão, João Luiz, casado com a Cândida, que era chefe da Administração Fazendária (AF), na época chamada de Coletoria. Coincidiu que, quando saí da escola, me desculpe, mas por um motivo que não vale a pena memorar, uma das funcionárias da AF, havia deixado o emprego na Coletoria por conta do casamento. E surgiu a vaga, que era um cargo indicado pelo Executivo. Como a Cândida já conhecia meu trabalho na Escola, intercedeu junto ao prefeito pela minha indicação. Isso foi em 1978, até que, alguns anos depois me efetivei.
ET - E o Direito?
Ada - Então, foi um pouco depois, iniciei o curso em 1985. Ingressei na Uniube, que na época não era ainda universidade, era Fiube, e me formei com alguns daqueles primeiros estudantes que começaram a viajar, diariamente, até Uberaba, em estrada ainda de terra. No 5º período, em 1988, eu pedi remoção para a AF de Uberaba e consegui, para trabalhar na Divisão Administrativa e Contábil (DAC). Concluí o curso de Direito, mas nunca exerci a profissão, porque minha função na AF não permitia.  E ali permaneci até minha aposentadoria... 
ET - Uma vez aposentada, foi advogar ou preferiu curtir a vida? 
Ada - Não, nunca advoguei, perdi o pique. Fui mais curtir a vida, ajudando aqui e ali como voluntária de algumas entidades, na área do Direito. Mas quando percebi que voluntário trabalhando nessa área jurídica não é muito bem aceito, desisti. Ajudei também um pouco nas pastorais de minha Igreja, mas hoje aproveito para gozar minha aposentadoria. Afinal, foram 30 anos de efetivo exercício em duas repartições públicas. Hoje, eu ajudo quem acho que devo ajudar naquela hora, mas sem compromisso.  Eu só peço a Deus uma coisa: que Ele me mostre aquilo que quer que eu faça. Só isso. 
ET - Você se enquadra entre aqueles 'analfabetos funcionais', que não conseguem dominar os aplicativos de um celular ou se classifica como uma assídua internauta? 
Ada - Eu vivo. Amo a vida e tudo que nela existe. Se eu olhar para trás tenho muito a agradecer. Deus é muito generoso comigo e costumo brincar que Ele está com o meu endereço errado, porque manda demais pra mim: vida, saúde, felicidade, amigos, família. Não sou uma 'analfabeta funcional', nem escrava da internet. Uso com mais frequência o WhatsApp. Só. Para isso fiz alguns cursos para dominar a ferramenta. Mas ficar na internet pra quê?... Redes sociais, então, nem pensar. O bom é estar frente a frente, olho no olho...