Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

Andarilho perdido encontra familiares

Edição nº 1477 - 7 de Agosto 2015

O andarilho, Mauro, vítima de um traumatismo craniano que às vezes o deixa com lapsos de memória, desaparecido há quatro meses de sua cidade natal, Sumaré (SP), região de Campinas, foi encontrado na região de Tapirama, neste município, pela moradora rural, Orcelina Alves, que transitava pelo local com o marido e a filha. Diante de seu estado debilitado, a 'boa samaritana' o levou até a Santa Casa de Misericórdia de Sacramento, onde permaneceu internado até esta terça-feira, quando foi entregue à família.

A história é fantástica. Em meio a tantas desesperanças no mundo de hoje, essa semana a cidade assistiu a uma comovente história de valorização do ser humano, que teve como protagonista a técnica de enfermagem, Joelma Antônia Martins de Freitas, funcionária da Santa Casa há três anos e meio. E o melhor, tudo terminou com um final feliz, muito feliz, que rendeu muitos elogios e reconhecimento pela sensibilidade da enfermeira com o próximo. 

Joelma relata  que Mauro,  foi  encontrado por uma família na rodovia e deu entrada no pronto socorro no sábado 1º, à tarde. “Eu estava encerrando meu plantão, quando o vi, só de vista. As meninas depois disseram que ele estava vomitado, evacuado, fraco, descompensado. Atendido, mandaram-no para o posto 6, onde eu trabalho,  e como folguei no domingo,   só tive contato com ele na segunda-feira 3, pela manhã, quando ele teve  alta”.

Foi nesse momento que Joelma fez valer o seu lado além da enfermeira profissional, foi humana, como o bom samaritano na parábola bíblica que cuidou do próximo assaltado. “Quando o Dr. Renato lhe disse que estava de alta, ele perguntou: 'Doutor,  pra onde eu vou?'. E, de fato, ele não tinha histórico, não tinha documento nenhum, nada. Foi quando através de nossa chefe, acionamos a Assistência Social do município. E era visível que ele tinha problemas mentais. Ele estava confuso. O assistente social esteve no local, falou, falou e saiu”.

 

O calor humano cresce em Joelma

Joelma (foto) prossegue relatando que, depois da medicação dos pacientes, com a ajuda das colegas Inês e Moara deram um bom banho em Mauro, fizeram a barba, cortaram seus cabelos e unhas... “Enfim, conseguimos roupas e o arrumamos direitinho antes de sair. E foi nesse momento, enquanto o arrumávamos, fomos perguntando sobre sua vida, que queríamos ajudá-lo, perguntando de onde era... Mas ele só repetia: 'Eu não drogado, não sou alcoólatra, sou de Sumaré'”. 

E com essa primeira revelação, Mauro se abriu um pouco mais e deu novos dados sobre sua origem. “Fui conversando, tranquilizando-o e perguntando sobre fatos... Foi quando ele me disse que sabia o número do telefone de um irmão. Pensou, pensou e falou. A Moara anotou. Perguntei o nome do irmão, ele pensou, pensou e disse, Claudiney, depois falou o nome de uma rua e de uma casa...   Aí eu lhe disse que iríamos  atrás daqueles nomes”, narra.

A solidariedade se estende a outros funcionários da Santa Casa, conta mais Joelma revelando como descobriram a família. “Passamos o número pras meninas ligarem e tentamos tudo quanto era DDD, mas não dava certo. Pedi pra outra colega, a Lucília Nunes, da contabilidade, pesquisar na Internet. Ela fez uma pesquisa nos PSFs de Sumaré e encontrou um número, falou com uma moça que, depois de alguns contatos naquela cidade, retornou a ligação pedindo mais informações. Foi quando passamos o nome do irmão, da rua, da casa e pouco depois, já foi a família de Mauro que ligou de volta muito emocionada, agradecendo muito e afirmando que viriam buscá-lo”, finaliza Joelma, ainda emocionada.

 

O fim da angústia da família

De acordo com o irmão, Mauro estava desaparecido há mais de quatro meses. “Já haviam ido até Goiás, devido a notícias de que Mauro estaria lá. Ele disse que já haviam ido a hospitais, necrotérios  e que já estavam perdendo a esperança de encontrá-lo vivo e pediram para o deixarmos no hospital até eles chegarem, por volta das 11h da manhã”. 

E de fato, o irmão e dois amigos vieram na  terça-feira 4,  pra levá-lo. Infelizmente, Joelma não pôde se despedir, por estar de folga e não ter podido chegar a tempo na Santa Casa.  “Mas fiquei feliz por ele. Só que fazer isso, para mim, não é nada. Fiz o que devia ser feito, por isso não coloquei e não coloco nada na internet. Quando a gente faz pelo ser humano, não precisa de reconhecimento, a não ser de Deus, que sabe o que a gente fez. Fico na minha”, afirma. 

Para Joelma, que lida muito com pacientes carentes, o importante é fazer o bem e não olhar a quem. “Faço o que posso pelas pessoas, porque muitos doentes são pessoas muito carentes, que precisam de banho, de higiene e que não têm um sabão, mas eu compro tudo, sabão, xampu, sabonete, desodorante e deixo guardado no armário para auxiliar, dar um pouco de conforto, porque, infelizmente,  são poucas pessoas olham para eles com outros olhos. E, graças a Deus, eu sou uma delas e gosto muito do que faço, mas não precisam reconhecimento e aplausos, fiz o que tinha de ser feito”.

 

O reencontro da família

 “Essa história teve um final feliz!”, assim a enfermeira Moara Martins Rocha definiu o reencontro de Mauro com sua família. “Uma coisa emocionante, porque o encontraram quando já perdiam as esperanças. Disseram que, pelos seus lapsos de memória, não é a primeira vez que ele desaparece. Mas nossa, foi lindo o reencontro do irmão, que veio com dois amigos para buscá-lo.  A hora que o Mauro os viu, ele os reconheceu. Choraram, se abraçaram, Mauro pulava de alegria  e aí perguntou pelos outros irmãos. E perguntava a todo momento para eles,  como ele tinha vindo para Sacramento”.

 De acordo com Moara, o irmão Claudiney informou que,  dos nove irmãos, Mauro, de 61 anos é o caçula. “Segundo o irmão, Mauro sofreu um traumatismo e depois disso, passou a ter lapsos de memória. Ele é funcionário público, concursado em Sumaré (SP)  e tem apagões na memória, vai ao banheiro, por exemplo,  e não sabe onde está...’

Para Moara, a emoção foi tanta, que não teve palavras. “Foi tão emocionante que fiquei parada, só olhando e aí eu chorei. O hospital inteiro ficou comovido, desde a moça da cantina até a faxineira todos foram se despedir dele. E a família agradeceu muito, porque disseram que já haviam ido a várias cidades e estados à procura dele”. 

A atitude e gesto de Joelma  ganharam destaque nas redes sociais. Confira na coluna De Olho Na Rede.