Jornal O Estado do Triângulo - Sacramento
Edição nº 1783- 18 de junho de 2021

José Renato: Uma história de dramas e comédias

Edição nº 1377 - 30 Agosto 2013

ET - Vamos começar lá no início. O menino José Renato, que nasceu e viveu na fazenda Olhos d'Água, do padrinho Gaspar Marques e Marly. Fale disso, da família, pais, irmãos...

José Renato – A fazenda fica ali depois do rio das Velhas, já é município de Perdizes. Nasci no dia 28 de setembro de 1964, em pleno Golpe de Estado... Filho de José Marques da Costa e Nilza Alves Marques, somos quatro filhos, minhas irmãs mais velhas Sônia, Suétna, que não sei onde minha mãe conseguiu esse nome, acho que é o único no mundo, penso que ela estava muito inspirada quando escolheu esse nome (risos) e o caçula, Jackson. E a família me rendeu 14 sobrinhos e mais três filhos meus, a Gabriella, que está em Franca, terminando Administração e cuidando da empresa de lá; A Carolline, em São Paulo, cursando Publicidade e agora, está indo para Londres, ficará por lá um ano estudando. E o Victor, que está aqui e é um apaixonado por fazenda, é o meu compainheirão.


ET - José Renato 'Marques' e padrinho Gaspar 'Marques'. Qual é o grau de parentesco entre vocês?

JR - Meu pai, José Marques da Costa e o padrinho Gaspar Marques eram primos-irmãos, isto é, a mãe do padrinho Gaspar era irmã do meu avô e o pai, era irmãoda minha avó. Ele era primo em primeiro grau do papai e, meu, em segundo grau. Era casado com madrinha Marly, os quais eu gostava e respeitava como pais. Sofri tanto quanto os filhos na morte deles. E meu pai era um dos colonos da fazenda, que morou lá mais de 35 anos.

 

ET - A sua infância lá na fazenda. A simplicidade da vida rural, o curral próximo a sua casa, que era bem simples, a cachoeira logo abaixo... Por isso, gosta tanto da música, 'Fiz uma casinha branca lá no pé da serra?...

JR - É... as lembranças são muitas, vivi ali até os onze anos. Mas antes vou explicar uma coisa: Muitos pensam que sou perdizense, inclusive, vários vereadores tentaram me dar o título de cidadão sacramentano, acontece que fui registrado em Sacramento, onde o acesso era bem mais fácil. Agora, minha infância até os 11 anos foi toda na fazenda, no município de Perdizes. Por sinal, uma infância muito feliz. Apesar da pobreza, de não termos dinheiro para comprar sapatos, roupas, brinquedos, etc. nunca nos faltou nada. Roupas e sapatos a gente sempre ganhava de outras pessoas. Mamãe ganhava muitas roupas das meninas da madrinha Marly, e era o que mais usávamos, eu e o Jackson. 

 

ET - Como era a vida em família?

JR - Apesar de simples, uma felicidade muito grande. Naquela época, como não tínhamos energia em casa, não tínhamos televisão, chuveiro elétrico, tomávamos banho de bacia, minha mãe ouvia novela pelo rádio à pilha, eu ouvia jogo pelo rádio também. Mas em compensação, tínhamos tempo para conversar, à noite. Minha mãe fazia pipoca, biscoito de polvilho e outras coisas, comíamos todos juntos, na época do frio, juntávamos todos no rabo do fogão a lenha para esquentar. Jogávamos truco, no outro dia o nariz amanhecia todo preto da fumaça da lamparina. Aquela música do padre Zezinho, acho que 'utopia', diz tudo. 


ET – Os meninos usavam vestido? (risos)

JR – Não, claro que não (risos). Mas tinha uma coisa engraçada. Lembro que antes, o zíper da calça de mulher era do outro lado do da calça de homem... Eu quase que fiquei canhoto por isso (Uma boa gargalhada). Nós comprávamos roupas uma vez por ano após a colheita do café, quando faziam a varrição, a gente catava o café que sobrava. Mamãe comprava o tecido e fazia as roupas. Era uma festa! Papai morou na fazenda do padrinho Gaspar durante 35 anos, saiu quando eu o trouxe para Sacramento. Mas eu saí aos 11 anos, vim pra cidade estudar.  Depois papai ficou doente e tive de voltar. Mamãe também era doente, descobriu a doença de Chagas tinha 32 anos, mas ela até durou muito pela gravidade da doença, pela época e por nossa situação financeira. Faleceu com 42 anos. 

 

ET - Vamos falar um pouquinho de sua mãe, Da. Nilza e do Juca, seu pai. Os cuidados, os castigos. Alguma peraltice que te deixou lembranças, nesse tempo de moleque?

JR - Naquela época, a infância era muito livre e acabávamos fazendo muita arte.  E mamãe não deixava por menos. Ela batia muito, quando pegava deixava marcas. Tem até uma história engraçada da escola. Um colega vivia me atazanando, enchendo o saco de um primo e de mim. Aí eu falei que iria matá-lo. Eu devia ter uns nove anos. Morávamos próximo à casa da tia Diva e eu comecei a andar com uma faquinha, dessas de cortar pão. O meu primo contou pra tia Diva e ela começou a olhar o meu embornal, que era a pasta de escola, pra ver se eu estava com alguma coisa. Um dia ela encontrou a faquinha e, imediatamente, contou para minha mãe. Quando eu cheguei da escola, fui para o quarto pra trocar de roupas, e quando eu estava pelado ela entrou. Eu falei que estava trocando de roupas e ela disse: “- Eu quero é assim mesmo”. Mamãe me bateu tanto, mas tanto... E perguntava se eu sabia por que eu estava apanhando. E chegava a vara. Até que o Jackson pegou a vara da mão dela. 

 

ET - E o castigo?

JR - Também. Não bastasse a surra, ela me colocou de joelhos pra rezar um terço. Passou, passou e eu rezando. Depois de um bom tempo, ela chegou e perguntou: “Já acabou de rezar?” E eu mais que depressa respondi: “Acabei, mas quero rezar outro” (dá uma boa risada). No outro dia me mandou de short pra escola mostrando os vergões. Mas foi coisa de criança. E foi um tempo maravilhoso, uma infância que acho que todo mundo deveria viver. Me batiam porque era uma forma de educar... Não me deixaram marca nenhuma, muito menos trauma e sim, muitos aprendizados.


ET - Com que idade começou a trabalhar?

JR - Toda vida trabalhei, desde moleque, com cinco anos andava na garupa do cavalo com meu pai para todo lado, com seis já andava sozinho. Dificilmente, hoje, a gente vê uma pessoa que trabalhou desde criança envolvida em qualquer tipo de delito. O trabalho educa. Eu não concordo com as leis que proíbem o trabalho antes dos 16 anos. Depois dos 16, ou até antes, a pessoa já virou bandido, drogado, porque o mundo já lhe ensinou muita coisa errada. Isto é, a probabilidade de dar errado na vida é muito maior. Os antigos não diziam que 'a ociosidade é oficina de satanás?'. A gente trabalhava, ajudando meu pai e estudava na Escolinha dos Gobbo, ligada à Prefeitura de Perdizes, uns três quilômetros distante, íamos e voltávamos a pé, com chuva, sol, frio. Hoje, as coisas são muito fáceis, Kombi busca na porta. Antes não havia isso e a gente virava gente.

 

ET - As fazendas nesse tempo eram muito povoadas, cheias de famílias e crianças. Quem eram as professoras, os seus amigos de infância? 

JR - Era mesmo muita gente na fazenda e a Escolinha dos Gobbo, era cheinha de alunos. A minha primeira professora foi a dona Ana, filha do Sr. Eduardo do Prado, depois a irmã dela, a Ione, até o quarto ano. Na fazenda, além de nós, moravam a tia Diva, irmã de minha mãe, e mãe de oito filhos, e mais um monte de gente nas fazendas vizinhas. Tinha também meus primos, filhos do tio Baltazar, que faleceu muito novo e deixou os filhos pequenos. Os meninos dele foram quase que criados na nossa casa. Até certa idade, viveram conosco. Nessa época tem uma história engraçada. Eu apanhava da minha mãe sempre por fazer xixi na cama e meu primo Benedito, que tem a mesma idade minha, não apanhava. Aí um dia, eu acordei no meio da noite, urinei nele todinho, aí no outro dia quem apanhou foi ele (risos). Mamãe era uma pessoa muito boa e o pouco que tínhamos era dividido com todos, a mesma roupa que usávamos, eles também usavam, até as surras e castigos eram iguais (risos).

 

ET - Na cidade a molecadinha tão logo entra na escola, já começa com suas preferências, seus namoricos. Na sua época era assim também?

JR - Acho que sim, mas de uma forma mais tímida, apaixonava pela professora, mesmo que ela tinha dois metros de altura (risos), por algumas coleguinhas, mas ficava nisso mesmo! Agora, eu fazia mesmo o maior sucesso, era com as galinhas, porcas, éguas e com uma carneirinha ‘Diana’ (risos). Aí sim eu me considerava um galã (risos).

 

ET – Ôa!! (risos) Aí chegou o tempo de vir para a cidade continuar os estudos...

JR - Terminei o quarto ano e aí foi uma peleja danada. Papai não tinha condições de pagar um lugar pra eu ficar, então eu vivia de favores, na casa de um e outro. Às vezes, a pessoa também não tinha muita condição. As coisas apertavam e eu ia pra outra casa. Morei no meu tio Gaspar, irmão do papai; depois, na casa da tia Adelina e, depois, fui morar na casa de um conhecido do papai, lá dos Fajardos, o seu Osvaldo Fajardo. A casa dele até hoje é do mesmo jeitinho, ali no Chafariz. Sempre mostro para os meus filhos onde morei. Ela fica num barranco em frente à antiga Escola Sinhana Borges.

 

ET - Casinha que você não queria mostrar prá ninguém...

JR – (Risos). É verdade. A gente quando é criança tem cada coisa, eu tinha vergonha de contar onde morava. E houve um caso engraçado. Um dia o Walder Araújo foi para a fazenda com a família, brincamos o dia todo, o Marco Túlio, as meninas dele e a meninada toda. À tarde, eles me deram carona. E eu logo pensei: “Como é que vou fazer pra eles não verem onde eu moro?”. Chegamos à cidade, e ele com a mania de chamar os outros de “bacana”, perguntou: “Onde você mora, 'bacana'?”. Eu respondi: “Aqui está bom, pode me deixar aqui mesmo”. E ele: “Não, vou te levar na sua casa”. Eu insisti, mas não teve jeito, ele me deixou na porta de casa e eu quase morri de vergonha. O que são as coisas na vida? Hoje tenho orgulho disso e de ter morado naquela casinha. 

 

ET – Uma casa 'bacana'!! (risos). Você só estudava ou trabalhava também?

JR - Vim fazer a 5ª série na Escola Coronel, não tinha serviços fixos, mais vendi laranja, frango e ovos na rua. Fiquei até o meio do ano, terminei o ano escolar em Perdizes, na época com 11 anos ainda, fui morar na Perdizinha, ia e voltava para Perdizes. Nessa época, aconteceu uma situação engraçada. Da Perdizinha para Perdizes, são mais ou menos 30 km, um dia a Kombi quebrou no meio do caminho, tivemos que voltar a pé mais ou menos de 15 a 20 quilômetros. Eu tinha acabado de comprar um tênis 'Bamba' bege, estava abafando (risos). Para não estragar o Bamba, tirei ele do pé, amarrei um cadarço no outro, joguei ele no ombro e fui descalço. Eu era tão pequeno, e como eu estudava à noite, as meninas do magistério me carregavam no colo, meu apelido era 'Tampinha'. Lá comecei a 6ª série e fiquei até o meio do ano, voltei para Sacramento e concluí a 6ª série. Só que na época, papai ficou doente e tive de voltar pra fazenda. 

 

ET – E quando veio para a cidade em definitivo?

JR – Veja só. As coisas acontecem de uma maneira a nos favorecer.  Um dia, já final de 1979, o Edmar Batista pegou uma área do padrinho Gaspar para desmatar. Mamãe, apesar de doente, cozinhava para eles. Ela aproveitou e falou para o Edmar que eu queria estudar, mas eles não tinham condições de me deixar na cidade. Edmar ficou de ver com uma tia que morava na chácara dos Batista, se ela me aceitava. Dito e feito, ela me aceitou.  Eu vim morar na casa da dona Belina. A partir dali fui adotado pela família Batista e por ela, me chamavam de Zé da Belina. Ela me tinha como filho mesmo. Comecei a estudar e a trabalhar, me matriculei na 7ª série, à noite. Meu professor de história era o Dr. Paulo de Tarso, que me apelidou de 'Perdizinha'. E meu primeiro emprego foi na Casa da Lavoura, do Ismar Batista.

 

ET – Ficou na chácara com Da. Belina muito tempo?

JR - Fiquei lá uns tempos, trabalhei alguns tempos de bóia fria, apanha de café. Depois passei a trabalhar de vaqueiro na chácara do Sr. José Batista. Essa época foi bem marcante, julho de 82, perdemos a Copa para Itália e, em agosto de 82 perdi minha mãe. Essa época foi muito difícil mesmo. Um acontecimento que poderia ter mudado minha vida. Com a morte da minha mãe, o papai e o Jackson ficaram sozinhos na fazenda, pensei em voltar, mas aí pensei: Nossa, vou voltar do mesmo jeito que vim, sem profissão nenhuma. Na época, trabalhavam na chácara, eu e o Zé Rufino. Pra tratar do gado, a gente buscava cana de trator, na fazenda dos Crema, que fica ali no caminho para Gruta dos Palhares. Aí eu pensei: 'Vou falar que sei dirigir trator, se der certo eu continuo, aprendo rapidinho e depois volto para roça como tratorista'. E assim eu fiz, quando passou essa ponte logo depois da Sak's eu peguei o trator e fui legal. Mas na reta, quase chegando na fazenda, eu perdi o controle, entramos para o meio do mato, arrebentamos tudo que tinha na frente, até o Zé Rufino controlar o trator (risos).


ET - E foi pra rua...
JR - Depois do acidente foi duro enfrentar o Edmar Batista. No outro dia, ele chegou lá, brincalhão como sempre, disse: 'Fiquei sabendo que agora eu tenho um novo tratorista?..' Acabou que com isso, desisti de voltar e nunca mais dirigi trator (risos). Pra ajudar um pouco na renda, eu trouxe uma vaquinha minha pra chácara, a Cumbuca, que dava uns dez litros por dia. Eu tirava o leite e vendia na rua, de porta em porta. Vendia para a sorveteria do seu Mário Borges e outras casas. Ele me comprou muito leite, era um 'clientão'. 
ET – Na escola, menino da roça, muito pobre, na 7ª série, sofreu algum preconceito, do tipo bullyng, como dizem hoje?
JR – Não, acho que não, não tinha bullyng, não. Eu me lembro de uma vez, quando uma colega, sentada atrás de mim disse: “Nossa, você está fedido demais”.  Eu virei e disse: “Mas é porque eu trabalho”. “Para trabalhar não precisa feder”, retrucou... (risos). Nessa época, também aconteceu uma situação, que para mim, foi uma das mais importantes que aconteceram na minha vida, um exemplo claro, de que nunca devemos humilhar e pisar em ninguém. Tinha um colega que assentava na mesma fileira que eu, mais para trás, e, um dia, o professor, perguntou a todos, o que cada um queria ser no futuro, cada um ia falando, quando chegou a minha vez, ele se levantou primeiro e disse: 'Ele vai ser meu faxineiro'. Aí o professor chamou sua atenção, e direcionou novamente a pergunta: O que vai ser José Renato? Eu respondi: Vou ser faxineiro dele!! O tempo passou, o resto dessa história termino mais no final...  Tinha essas coisas, mas eu não importava, levava na brincadeira. E depois, havia muita gente pobre e simples à noite na escola. 
ET - Você não tomava banho antes de ir pra escola?
JR – Como eu disse, onde eu morava não tinha chuveiro, eu tomava banho de caneca, sempre ficava o cheiro de curral mesmo. A casa na chácara era bem simples, três cômodos e não tinha banheiro. Pra tomar banho eu esquentava a água numa lata, botava num balde e ia tirando com uma caneca (risos). Eu era muito tímido, apesar de ser também muito brincalhão com os colegas. Veja bem, eu tirava leite, mexia com vaca o dia inteiro e depois tomava banho com um balde d'água, tinha que feder mesmo, não é? (risos). Muitas vezes, eu chegava atrasado à escola, porque, às vezes, tinha gente na casa da dona Belina. E como eram só três cômodos, o pessoal ali sentado conversando, eu ficava com vergonha de pegar a lata nas costas e levar para o cômodo de tomar banho lá de fora. Eu ficava esperando até que todos fossem embora pra tomar banho (risos).
ET – Nesse período na cidade, você tinha amigos, chegou a ter namorada?
JR – Tinha amigos sim, participei de grupo de jovens, namorada não tive nenhuma, não, eu era muito tímido e meio desajeitado... (risos). Mas cheguei a gostar de algumas meninas, mas elas nunca ficaram sabendo (risos). Na época, a gente saía à noite em época de frio, o pessoal me perguntava se eu não estava sentindo frio, eu sempre dizia que não, mas na verdade estava sentindo um frio danado! Tinha a pastelaria do Pacheco, ali onde hoje é a Eletrosom. Era nosso 'point', o pessoal sempre pedia um pastel e um suco ou refrigerante. Eles me perguntavam: 'E aí Zé Renato, não vai pedir nada?' Eu sempre respondia: 'Não, estou cheio!' Na verdade, maioria das vezes estava com fome e também com vontade de comer aquele pastel!
ET - Você saiu da casa da dona Belina direto pra São Paulo?
JR – Não, São Paulo foi em 1985, sai em 1983, foi aí que fui trabalhar no despachante Zago, do saudoso Paulo Roberto Zago. Trouxe o Jackson para morar comigo e aluguei uma casinha do Sr. Osvaldiner, sogro do Saulo Wilson, nos fundos da casa do Tochico, na rua Clemente Araújo, onde hoje é a Esfera Rolamentos. Nessa época, eu cursava o 1° ano de Contabilidade,no Colégio Maria Crema. Aconteceu uma coisa engraçada: Era final de ano e eu estava de recuperação, como sempre (risos). Biologia era uma delas, a professora era a Maria Luísa, esposa do Walmor, eu fui com Paulo Zago, em Pedregulho arrumar uns documentos com ele. Na volta, paramos no Posto da Jaguara e fomos tomar umas cervejas. Deu mais ou menos o horário da minha aula, eu chamei pra ir embora, porque tinha a última prova. E ele, nada. Lembro até que me disse: 'Não adianta, já tomou bomba mesmo, pois tem que tirar quase 70% da nota. E ainda está bêbado'. Acabamos indo. Cheguei no Maria Crema, bêbado. Da. Maria Luísa já estava aplicando a prova, tudo de assinalar com 'x'. Eu mandei brasa daquele jeito. Quando terminou tudo, fomos para fora da sala, ela ia corrigindo a prova e chamando o aluno, fulano, aprovado; beltrano, reprovado... Muitas meninas chorando e eu na maior farra. Quando me chamou, eu tinha certeza que tinha tomado bomba: 'José Renato, aprovado!!' Isso foi muito divertido (risos).
ET – O Despachante Zago foi seu último emprego antes de ir para São Paulo?
JR – Não, saí do despachante e fiquei procurando emprego, aí surgiu a oportunidade de trabalhar na Crefsul, com vendas de seguro, sem salário fixo. Trabalhei três meses e não recebi nada. Essa época foi complicado, pois chegamos a não ter o que comer em casa, sem contar o atraso do aluguel com Sr. Oswaldiner. Saí da Crefsul e fui trabalhar na Destilaria Jaguara, do Sr. João Genares, como Office boy. Saíamos às 5h00 da manhã para a usina e voltávamos à noitinha, quase no horário da aula. Minha janta era sempre um tomate com sal e um copo de pinga, que pegava de graça na destilaria. No final de 1984, começaram as demissões, a partir dos empregados solteiros. Desempregado mais uma vez, procurei emprego em vários lugares, Posto Zago, Trans Lobato, Laticínios Scala, Fábrica Eurides, da Fundação, Crema & Cia, Zandonaide, Máquina do Sr. ClanterScalon, Maquina do Sr. FerruçoBonatti e vários outros lugares; e nada. 
ET – Por isso parte pra São Paulo?
JR – Não, não... nada planejado. Não tinha a mínima idéia de sair de Sacramento. Essa história também é interessante. Antes disso, pra vocês verem como a vida é cheia de caminhos e um simples detalhe muda nossa vida inteirinha. Eu, desempregado, já com 19 anos, resolvi alugar uma chácara que havia ali na rua das Flores, comprar umas vacas e vender o leite de porta em porta. Fiquei sabendo que um fazendeiro lá do Espigão Limpo tinha umas vacas pra vender. Peguei uma carona com o Alcione Marques e fui pra lá, de tardezinha.  Lembro que perto das sete horas da noite, quando passou o rio e chegou num alto, ele parou, me mostrou uma luzinha a uns dez quilômetros e disse: “Tá vendo aquela luzinha? É lá que você vai. Toma cuidado que tem muita onça por aqui”. E me deixou lá. 

ET - Não havia uma estrada dessas de fazenda?
JR - No lugar em que ele me deixou, não. Não havia estrada, nada. Eu morrendo de medo, marquei o rumo daquela luz e atravessei vale, cerca, caí, mas cheguei, quase às 10 h da noite.  No outro dia, tirei leite, gostei das vacas, mas na hora do negócio, ele pediu o dobro do que as vacas valiam. Eu não tinha dinheiro nem pra pagar o barato, imagine, caro daquele jeito (risos).  Desisti do negócio e vim embora. É aí que a coisa mudou. No dia seguinte, no Bar do Pavini, encontrei o José Walter de Oliveira, que era inspetor no Bradesco, em São Paulo. Ele me perguntou como estavam as coisas, eu contei a verdade: 'A coisa tá feia!' Foi quando ele me convidou para ir para São Paulo. Aceitei na hora. Vejam bem, se eu tivesse comprado as vacas, teria ficado tirando leite...
ET - Vamos deixar o restante da história pra próxima edição... Resumindo esse tempo da sua vida, infância, adolescência e início da juventude, apesar de todas as agruras, foi delicioso, não? Os sonhos foram realizados até aí?
JR - Muito, muito... Eu tinha muitos sonhos, o principal era poder ajudar minha família, principalmente meu pai e minha mãe nas suas doenças, mas minha mãe não esperou. Deus a levou muito cedo. Minha infância foi muito feliz, pois aproveitei o melhor da vida, que é estar junto dos pais e dos irmãos e rodeado de amigos. Minha adolescência e início de juventude já foram muito sofridas, na verdade, não tive adolescência! Mas sobrevivi sem revoltas e ainda com muitos sonhos..